Eventos Extremos e Crise Climática: Construindo o Futuro com Capitalismo Consciente

Introdução

Inicio este artigo com uma provocação de Immanuel Kant: “Se ousamos entender, o progresso será possível.” Esse chamado é urgente e nos remete ao cenário devastador das mudanças climáticas, como um convite a incluir a sustentabilidade como um pilar central no avanço da humanidade.

Os eventos climáticos extremos em Valência, na Espanha, assim como os que ocorreram no Rio Grande do Sul, evidenciam uma realidade incontestável: as mudanças climáticas já afetam nossas vidas e os negócios de maneira direta e significativa. Esses acontecimentos reforçam que não há mais espaço para considerar a sustentabilidade e o crescimento econômico como opções excludentes. Pelo contrário, o cenário atual exige um crescimento consciente, que leve em consideração uma distribuição mais igualitária dos benefícios gerados pela sociedade.

Hoje, as regras do jogo econômico mudaram, demandando que revejamos os modelos tradicionais de negócios. Como ensinam John Mackey e Raj Sisodia em Capitalismo Consciente (2019), “Negócios não têm a ver com fazer o máximo de dinheiro possível, mas com a criação de valor para as partes interessadas.” Este pensamento redefine o propósito corporativo, destacando que o verdadeiro sucesso se mede não apenas pelos lucros, mas também pelo impacto positivo gerado na sociedade. Assim, a questão central já não é se devemos adotar práticas sustentáveis nas organizações, mas como podemos transformar nossos negócios para liderar essa transição.

ESG e as Novas Regras do Jogo

É essencial compreendermos as novas direções que o contexto atual nos exige e deixarmos para trás velhos hábitos de planejar o futuro com base no passado. O conceito ESG desponta como uma abordagem promissora para guiar essas mudanças.

Inicialmente originado no mercado de capitais, o conceito ESG expandiu seu alcance ao longo dos últimos 20 anos. Atualmente, ele transcende a simples proteção de ativos financeiros para acionistas, passando a focar na criação de valor compartilhado para a sociedade, incluindo aspectos ambientais e sociais que vão além das métricas financeiras.

As recentes catástrofes climáticas reforçam a urgência de estratégias corporativas resilientes, que estejam verdadeiramente alinhadas aos princípios ESG. Para ilustrar essa necessidade, destaco três lições importantes que podemos aprender com esses eventos extremos, que aconteceram na Espanha e no Rio Grande do Sul:

Lição 1 – Mudanças Climáticas: Um Desafio Imediato

Eliot Aronson, em O Animal Social, afirma: “Não vemos as coisas como são, mas como nós somos.” Essa frase enfatiza a dificuldade de entendermos alguns problemas óbvios, como as mudanças climáticas. Nós, seres humanos, gostamos de nos ver como racionais, mas, frequentemente, negamos as evidências científicas sobre o clima.

A emergência climática é vista pelo Prof. Carlos Nobre, climatologista renomado, como o maior desafio da humanidade. Trata-se de um problema complexo, que potencializa outras crises contemporâneas e demanda a colaboração de diversos agentes, tanto em nível nacional quanto internacional.

Eventos extremos sempre existiram, mas sua frequência e intensidade dobraram desde a década de 1980. Dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicam que essas alterações são majoritariamente impulsionadas por atividades humanas, como o uso de combustíveis fósseis e mudanças no uso do solo. A NASA alerta que quanto mais intensas forem as mudanças climáticas, mais esforços serão necessários para mitigar e adaptar-se a elas, uma vez que os danos causados por riscos climáticos podem ser devastadores.

No entanto, ainda parecemos ignorar a gravidade da situação. Como menciona Michele Wucker no livro Rinoceronte Cinza, “mesmo quando reconhecemos a evidência do perigo, muitas vezes não agimos até que a ameaça esteja totalmente sobre nós – e, às vezes, quando já é tarde demais”. Surge, então, a questão: será que não queremos ou simplesmente não conseguimos entender a gravidade dos fatos? Os últimos registros das temperaturas médias do planeta apontam que 2024 será o ano mais quente já registrado.

Lição 2 – Riscos Climáticos vão Mudar o Rumo dos Negócios e o Valor do Dinheiro

O Banco Mundial projeta que o custo global da adaptação climática poderá alcançar US$ 4 trilhões até 2030. Para garantir a sustentabilidade financeira, empresas e governos precisarão investir em estratégias de longo prazo. O Fórum Econômico Mundial já destaca que mais da metade do PIB global e aproximadamente US$ 44 trilhões em valor econômico estão ameaçados devido à degradação dos ecossistemas.

Diante disso, como afirmou Donella Meadows no livro Limites do Crescimento (1972), “não podemos mais pensar em crescimento econômico ilimitado em um planeta finito”. Meadows sugere a necessidade do pensamento sistêmico para enfrentar problemas complexos, como as mudanças climáticas, levando em conta todos os elementos que impactam e são impactados por esse processo.

Assim, as organizações devem incorporar os riscos climáticos nas análises financeiras, com atenção tanto aos riscos físicos quanto aos de transição, considerando:

Riscos Ambientais: Impactos nos processos produtivos, dependência de recursos naturais, necessidade de adaptação a eventos extremos etc.

Riscos Econômicos: perdas financeiras significativas, custos de adaptação e mitigação, impactos na governança corporativa etc.

Riscos Sociais: justiça climática, impactos nas comunidades, litigância climática etc.

O ESG nos lembra que esses riscos precisam estar nas agendas das organizações, exigindo planos de mitigação e adaptação concretos.

Lição 3 – O Planeta como Stakeholder

Em um contexto onde eventos climáticos extremos impactam comunidades e a economia, torna-se essencial que os modelos de negócios adotem uma visão voltada para stakeholders, em vez de focarem apenas nos acionistas. Nesse sentido, o ESG representa uma jornada de criação de valor para a sociedade como um todo, indo além de uma estratégia de lucro de curto prazo.

O movimento do Capitalismo Consciente nos ensina que o propósito maior de uma empresa é servir seus stakeholders, não podendo ser visto como um simples produto. As organizações devem responder às necessidades dos clientes e também às do planeta, estabelecendo um compromisso verdadeiro com as demandas sociais e uma relação de confiança com todas as partes interessadas. Quando isso acontece, os clientes tendem a dar permissão para que as empresas os influenciem de maneira positiva, por meio de produtos e serviços mais responsáveis e conscientes, que atendam tanto às suas expectativas quanto às do planeta.

O livro Liderança Consciente afirma que “Existe a semente do propósito maior na maioria das empresas, e quando uma liderança reconhece isso e eleva seu valor e importância, os benefícios econômicos e sociais daquele negócio se expandem exponencialmente.” Isso significa que é possível lucrar enquanto se cuida das pessoas e do planeta.

Uma pesquisa da S&P Global Market Intelligence aponta que 80% das maiores empresas globais já demonstram preocupação com os riscos que a crise climática representa para seus negócios. Por isso, a governança climática precisa ser prioridade, incluindo a análise de dupla materialidade: (a) Materialidade de Impacto: o impacto da empresa no clima, incluindo aspectos ambientais e sociais; e (b) Materialidade Financeira: o impacto do clima sobre a empresa, especialmente em termos financeiros. Esses dados são cruciais para os Relatórios Integrados, de Sustentabilidade e ESG, que passarão a exigir informações detalhadas sobre os aspectos não financeiros dos negócios, visando reduzir o greenwashing e garantir investimentos mais seguros.

Ao adotar a gestão por stakeholders, as organizações reconhecem que a crise climática tende a desestabilizar a política, afetar o sistema financeiro, a economia, a agricultura, a saúde, corroer a renda da população, reduzir a riqueza, restringir a capacidade de consumo e aumentar os conflitos sociais, entre outras consequências graves. Dessa forma, as empresas transcendem o papel de unidades econômicas focadas apenas no lucro, tornando-se agentes de transformação no tecido social ao qual pertencem.

Perspectivas para o Futuro

Concluo este artigo fazendo um apelo por mais atenção e intencionalidade nas agendas de sustentabilidade corporativa. Um desastre raramente é um evento isolado; ele é resultado acumulado de inação e negligências que se manifestam de diferentes formas. Nossa capacidade de nos adaptar e transformar nos permitirá compreender e construir um novo modelo de progresso.

Termino com uma frase de Simon Sinek sobre o conceito de “Jogo Infinito”: “Aquilo que nos facilita, nos acomoda. Mas aquilo que nos inspira, nos faz querer chegar mais longe.” Que a sustentabilidade seja sempre nosso “jogo infinito”, um compromisso contínuo com a evolução e adaptação, que nunca se esgota e nos impulsiona adiante.


Autora

Gisele Batista, Diretora Harpia Meio Ambiente

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