Adesão às práticas ESG entre MPEs é difícil mas viável

Sustentabilidade! A palavra que se assenta sobre o tripé responsabilidade ambiental, responsabilidade social e sucesso econômico, se tornou, nos últimos anos, o “Santo Graal” para empreendedores de todos os tipos. Em paralelo, o termo em inglês ESG (Environmental, Social and Governance) – meio ambiente, social e governança – invadiu as reuniões de estratégia. Acelerada pela pandemia, a necessidade de responder às demandas de uma sociedade cada vez mais interessada no propósito e nas ações práticas das empresas, os dois conceitos – tão próximos – passaram definitivamente para o plano tático.

Um entrave, porém, continua atormentando o dia a dia dos gestores: os custos dessa revolução. Enquanto as grandes empresas têm departamentos e orçamentos específicos, as menores ainda sofrem com a falta de informação, equipes extenuadas pelo esforço de sobrevivência nos últimos dois anos, falta de capital e difícil acesso ao crédito.

Como pensar, então, em uma economia sustentável e ESG sem contar com as micro, pequenas e médias empresas, que são responsáveis por 99% do total de empreendimentos do País? Especialistas garantem que é possível, mesmo aos menores, serem responsáveis e terem governança se valendo de criatividade e organização, com nenhum ou baixíssimo investimento.

Pressão por mudança rápida pode paralisar boas ideias

A abrangência dos temas contidos dentro do ESG costuma assustar aqueles que estão começando a estudar como implantar as boas práticas em suas empresas. A sensação de que “está tudo errado” e a pressão pela mudança podem paralisar boas ideias e um propósito sincero quando o tamanho da tarefa não é bem dimensionado e suas etapas organizadas.

Para o líder de Consultoria na área de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade da EY Brasil, Leonardo Dutra, o primeiro passo é trazer o ESG para dentro da estrutura do negócio, seja em qual fase ele estiver.

“Tudo depende da leitura que o mercado faz do ESG. Antes a questão era vista como ‘deixa a comida estar pronta para depois pôr a mesa’. Depois das cartas do Larry Fink (CEO da BlackRock – a maior empresa de administração de dinheiro do mundo, com mais de US$ 6,5 trilhões em ativos sob administração), conseguimos trazer essa agenda para o fluxo de caixa, acesso ao capital, para o dia a dia das empresas. Todo empreendedor quer ir além, não ser pequeno para sempre. O ESG é uma ponte, uma estrutura mental para ser um grande empreendimento. A gente tem que traduzir para esses empreendedores o que o ESG significa de potencial de crescimento”, explica Dutra.

Dutra: tudo depende da leitura que o mercado faz do ESG | Crédito: Claudio Belli/Valo

Segundo a diretora de Operações do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, Daniela Garcia, mesmo as menores empresas – incluindo as micro e os microempreendedores individuais (MEIs) – podem criar uma mentalidade e uma prática ESG fazendo pequenas alterações no dia a dia sem implicar em custos.

“Podemos pensar em exemplos em cada pilar do ESG. Começando pela governança: o primeiro ponto é separar as contas pessoais e jurídicas e, a partir disso, organizar toda a parte burocrática. Isso evita perda de datas, prejuízos com multas e juros, e facilita na hora de pedir um empréstimo. Isso é gestão, é governança. No social, um MEI só pode contratar uma pessoa. Então porque não contratar alguém diferente de si mesmo? Se é um homem, contratar uma mulher, se é um jovem, contratar um idoso. Isso é diversidade, é aumentar a possibilidade de novas ideias, de inovação. E, no meio ambiente, qualquer empresa pode fazer a gestão dos seus resíduos fazendo a separação do lixo, utilizando matérias-primas que venham em refil, quando existirem; criando embalagens mais ‘verdes’. Nada disso custa dinheiro e, embora possa não parecer, é ESG!”, ensina Daniela Garcia.

Daniela Garcia: mesmo os MEI podem criar uma prática ESG | Crédito: Divulgação

No mesmo sentido segue a análise do conselheiro independente de sociedades e consultor especialista em empresas familiares, Ênio Coradi. É mais produtivo partir do simples, daquilo que, muitas vezes, podemos fazer em nossas próprias casas.

“Dentro de casa, a gente pensa em consumo consciente, não comprar por impulso. Em relação ao meio ambiente, como fazemos nossos descartes, vamos jogar o lixo fora onde, se o planeta é um só? E regras de convivência em família todos temos. Quando ampliamos a discussão e levamos para a sociedade, isso ganha corpo. O S da sigla ganhou visibilidade na pandemia. As pessoas perdendo o trabalho e a dignidade versus os ‘bem de vida’ assistindo lives nas ‘varandas gourmet’ chocou e fez com que parte da sociedade, especialmente os jovens, se mobilizasse. Quanto ao G, quem consegue viver sem gestão, sem organização? É um assunto muito mais presente do que parece. Todos podem começar uma jornada ESG”, pontua Coradi.

Todos podem começar uma jornada ESG, pontua Coradi | Crédito: Divulgação

Mas para ir além dos primeiros passos, as empresas podem precisar gastar, porém esse capital deve ser entendido como investimento que vai trazer mais valor e, consequentemente, mais negócios para a marca.

“A prosperidade não depende só do dinheiro. Quem não se adapta, está fadado ao fracasso. Capital é meio e prosperidade é fim. Toda essa discussão levou ao surgimento do ‘capital verde’, atrelando metas ambientais e sociais, com juros menores porque o risco é menor, inclusive para pequenos negócios. A burocracia bancária vai continuar existindo, porém, empresas que tenham governança vão conseguir ultrapassá-la”, afirma o líder de Consultoria na área de Mudanças Climáticas e Sustentabilidade da EY Brasil, Leonardo Dutra.

Entre startups, temas parecem algo bastante natural

No mundo das startups, os temas do ESG parecem algo bastante natural junto com a juventude da maioria dos gestores e equipes. Muitas têm se esforçado para, além de ter as melhores práticas internamente, levar o tema e ajudar seus clientes nessa jornada, mesmo quando, à primeira vista, os produtos e serviços oferecidos não pareçam ter relação com o assunto.

A Getrak – empresa sediada em Belo Horizonte especializada no desenvolvimento e fornecimento de infraestrutura para empresas de rastreamento – recentemente foi certificada por realizar a reciclagem de SimCards recolhidos e que voltam da própria operação. Além disso, é feita a destinação correta do plástico e dos metais contidos.

De acordo com a gerente de Supply Chain da Getrak, Cláudia Eliza Rodrigues Tymburiba, entre os meses de julho e novembro do ano passado, foram reciclados mais de 360 quilos de papelão e simcards. A certificação veio por meio da parceria com a Essencis MG Soluções Ambientais, especialista na coleta, transporte e gerenciamento de resíduos industriais e comerciais. A Essencis faz todo o tratamento dos materiais que acompanham os produtos e não são aproveitados. A startup é cadastrada na Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) e segue todos os protocolos de preservação e cuidado com o meio ambiente.

“Temos um lema: ‘queremos transformar o mundo em um lugar mais seguro’ e isso tem a ver também com meio ambiente e ajudar a comunidade. Começamos com a coleta seletiva. Levantamos os impactos ambientais e buscamos parceiros para nos ajudar a destinar corretamente os resíduos. Trouxemos a comunidade para dentro da empresa através do programa menor aprendiz, já contratamos permanentemente cinco. Disponibilizamos uma assessoria para quem quer empreender dentro da área de rastreamento veicular. Damos suporte, treinamento. Quando a gente garante a empregabilidade, temos um mundo mais seguro. Nosso produto se destina às empresas. Quando elas fazem o rastreamento elas acabam também ganhando uma ferramenta de gestão da frota e podem mitigar desvios e melhorar o processo gastando menos combustível, otimizando as horas trabalhadas, prevendo melhor as manutenções preventivas. Tudo isso, somado, é também ESG, é cuidar do planeta, das pessoas e do negócio, sendo uma grande empresa ou um pequeno empreendimento”, pontua Cláudia Tymburiba.

Em São Paulo, a UpLexis – startup especializada em mineração de dados – oferece respaldo às empresas que buscam mapear terceiros que estão alinhados com a agenda ESG. Com a ferramenta upMiner, os clientes conseguem otimizar processos de tomada de decisões com mais de 1.900 fontes de dados.

Segundo o CEO da UpLexis, Eduardo Carboni Tardelli, por meio de relatórios analíticos e personalizados é possível verificar, por exemplo, antes de contratar um serviço, se o fornecedor tem envolvimento em processos ambientais ou multas por trabalho irregular.

“O ESG não é um conceito novo, mas como estamos em um momento global de grandes mudanças políticas e sociais, tudo se tornou mais crítico. Na UpLexis temos o projeto ‘Plantando o Futuro’, com uma empresa de reflorestamento, há um ano e meio. A cada contrato fechado, plantamos de uma a quatro árvores. No campo social a busca é constante por diversidade e ética. Precisamos da diversidade para entender a sociedade e sermos criativos e inovadores. Na governança, gestão e compliance são a regra. Os empreendedores menores também têm o que fazer na organização da própria empresa e no cuidado na escolha do seus parceiros. A nossa ferramenta é um grande agregador de dados, plugado às plataformas e com robôs que capturam dados públicos. E apresenta tudo isso organizado por gráficos, mapas, relatórios analíticos para apoiar o tomador de decisão a medir o risco na sua interação de negócio seja com um cliente, um fornecedor ou um candidato a uma vaga”, explica Tardelli.

REPRODUÇÃO

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