O ano de 2020 foi horizonte das metas de sustentabilidade de grandes corporações quando despertaram, no início deste século, para o risco das pressões de mercado em torno de um futuro mais justo e saudável. Os alertas quanto ao uso dos recursos naturais acima dos limites planetários e impactos da mudança climática se incorporaram, gradativamente, ao discurso empresarial – mas, ao fim dos prazos no ano cabalístico de compromissos, aumenta o tom da cobrança por maior urgência. Hoje, negócios em setores de largo consumo calibram novos objetivos para 2030 e 2050, com o desafio do pragmatismo e aumento de escala das soluções, dentro de estratégias baseadas na ciência.
Diante do que o mundo fez até agora para não superar o limite seguro de aumento da temperatura e dos efeitos climáticos já sentidos na economia, investidores com alto poder de mobilização de capital querem pressa. Essa urgência ainda não contabiliza os impactos da pandemia de coronavírus.
O sinal mais contundente veio com carta de Laurence Fink, CEO da BlackRock, divulgada em janeiro no Fórum Econômico Mundial, em Davos, colocando a sustentabilidade no centro da estratégia de investimento. Em paralelo, o Task Force on Climate Related Financial Disclosures (TCFD) tem apontado riscos para quem ficar de fora, diante da tendência de novas regulações a favor do baixo carbono.
“Dos fundos de pensão aos bancos, agora preocupados em adotar novos critérios na análise de crédito, o mercado financeiro acordou para o tema”, ressalta Lauro Marins, diretor do CDP na América Latina. A organização orienta decisões de governos, empresas e investidores com carteira global de US$ 106 trilhões, e lançou em março um indicador de resiliência climática que associa gestão ambiental e desempenho financeiro.
A mais recente pesquisa de informações reportadas a investidores, divulgada pelo CDP neste ano, mostra que 82% das empresas participantes têm o conselho de administração envolvido na decisão de questões climáticas, na América Latina. No tema foram identificados riscos no médio prazo de até US$ 261 bilhões, enquanto a expectativa de oportunidades alcançou US$ 361 bilhões.
Se 97% identificaram impactos financeiros devido à escassez hídrica, apenas 26% possuem metas de redução de consumo de água. Mesmo assim, diz Marins, a distância entre discurso e prática de forma geral está diminuindo: “É maior o nível de governança corporativa em sustentabilidade, com análises de cenários econômicos e sociais, o que aumenta a resiliência também a situações como esta que estamos passando agora com o coronavírus, permitindo respostas para sair mais rápido da crise.”
Relatório global do World Wide Fund for Nature (WWF) calcula prejuízos anuais de US$ 480 bilhões no crescimento econômico do mundo até o ano de 2050, acarretadas pela destruição da natureza.
“A agenda já está posta: discute-se como e com qual intensidade fazer as mudanças”, afirma Mário Sérgio Vasconcelos, diretor de sustentabilidade da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
A revisão dos planos climáticos nacionais em 2023, conforme prevê o Acordo de Paris, e a perspectiva da nova rodada de negociação entre os países, em 2025, forçam a adoção de novas políticas.
A plataforma Principies for Responsible lnvestment, atenta ao mercado de US$ 66 bilhões de títulos de dívida emitidos pelos governos, estima que esse período será crítico em termos de mudanças disruptivas como resposta ao atraso na mitigação dos problemas climáticos.
“É preciso parar de olhar no retrovisor, porque a nova lógica deixa de ser um nicho”, afirma Juliana Lopes, consultora da Pulsar.
“É como uma bola de neve descendo a montanha”, compara Viviane Torinelli, pesquisadora de finanças sustentáveis na Universidade Federal da Bahia, ao advertir para o risco de desinvestimento e aumento do custo de capital, afetando também as divisas de países não alinhados ao controle climático. A expansão de 1 % no custo de captação levaria o Brasil a desembolsar adicionalmente US$ 5 bilhões por ano no pagamento de serviços da dívida externa, estima.
As finanças deverão liderar a agenda da COP-26 – conferência do clima a ser realizada neste ano em Glasgow, Escócia. “Investidores querem mais clareza, mas falta padrão para simplificar a narrativa”, analisa Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds). A organização está revisando as metas para 2050 e defende a precificação do carbono como mecanismo capaz de aumentar a competitividade da produção limpa. ‘íratase de um poderoso meio de mobilizar inovação e controlar o desmatamento, modo mais barato de reduzir emissões”, afirma Grossi. Segundo a presidente do Cebds, “floresta protegida é ativo da economia de baixo carbono”.
“Estamos em um ano especial de ação e entrega, última década antes dos prazos da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), que por sua vez completa 75 anos com o desafio de reforçar a importância do multilateralismo”, destaca Cario Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global.
Para fazer o ponteiro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) se mexer, a organização incentiva o ativismo da alta liderança das empresas. ‘íemos o papel de influenciar nossos setores produtivos”, ressalta Guilherme Weege, CEO do Grupo Malwee.
Para Ítalo Freitas, no comando da AES Tietê, a chave é associar preço e benefícios socioambientais: “Muitos clientes já exigem energia renovável no contrato de fornecimento, mas falta disseminar o conceito em suas cadeias de valor”, afirma o executivo da AES.
“Se não for por convicção, será por conveniência, porque quanto mais se adiar maior será o custo das soluções no futuro”, aponta Maria Monzoni, coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Não dá mais para competir no mercado global subsidiando-se no meio ambiente”- restando saber, diz o professor, “como a questão será traduzida em políticas públicas”.
“O momento impõe uma nova governança nas relações comerciais, com processos colaborativos, pois ninguém fará as mudanças sozinho”, ressalta Beatriz Luz, fundadora da Exchange 4 Change Brasil e articuladora do Hub de Economia Circular, voltado a promover sinergia entre as empresas na adoção do conceito.
A Coca-Cola Brasil tem meta de até 2030 recolher e reciclar 100% das embalagens que coloca no mercado. “Não podemos mais separar demanda de negócio e demanda da sociedade”, afirma a diretora de sustentabilidade, Andrea Mota, explicando que há uma nova onda de consumidores com propósito a ser atendida.
“O consumidor precisa ser mais participativo”, destaca Eduardo Campanella, vicepresidente de marketing da Unilever, que vende 42 milhões de produtos diariamente no mundo e até 2025 quer reduzir pela metade o consumo de plástico.
Autor: Sergio Adeodato, para o Valor Econômico