Capitalismo Consciente: Adam Smith, Sustentabilidade e a Consciência Moral

Estamos vivendo um momento instigante! De um lado, cada vez mais surgem evidências de que os efeitos nocivos do uso indiscriminado da natureza – incluindo os combustíveis fósseis – afetará a condição da vida humana no nosso planeta. Com a mesma intensidade, vemos ações políticas contrárias a esses alertas, criando um paradoxo que alimenta a grande disputa entre os “certos” e os “errados”. A dúvida persiste: quem é o certo e quem é o errado? O sistema econômico capitalista tem sido apontado como a força motriz causadora desse abuso da natureza e desrespeito a todos os seres, mas será ele o responsável? Vamos explorar isso um pouco mais.

Adam Smith e o Capitalismo

“A Riqueza das Nações” (1776), de Adam Smith, representa um marco fundamental na consolidação do capitalismo como sistema econômico dominante. Smith introduziu o conceito de que, para que uma sociedade se desenvolvesse, deveria ter um sistema econômico baseado na livre concorrência, com pouca intervenção governamental. Para ele, com o conceito da “mão invisível”, o mercado se autorregularia naturalmente por meio da oferta e da demanda. Assim, ao buscar lucros em seus negócios, os indivíduos contribuíriam, sem querer, para o avanço econômico e o benefício da sociedade, promovendo inovação e progresso.

Passados mais de 250 anos desde o lançamento deste livro, é fácil perceber o avanço que essas ideias proporcionaram em termos de conforto e longevidade, alterando profundamente a vida de todos. No entanto, os efeitos colaterais desse crescimento também se tornaram evidentes há algum tempo.

Os Limites do Crescimento e a Sustentabilidade

No início da década de 70, o Clube de Roma apresentou um estudo desenvolvido pelo MIT, “Os Limites do Crescimento”, que demonstrava que o abuso do uso da natureza chegaria ao seu limite quando não houvesse mais o que explorar. Segundo o estudo, isso aconteceria por volta dos anos 2070. Nessa mesma época, a ONU começou a alertar sobre a necessidade de um crescimento econômico pautado na sustentabilidade, como forma de mantermos um planeta viável para a sobrevivência. Ações como os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) e o movimento ESG (Environmental, Social, Governance) são exemplos dessa tentativa de conscientização global.

Reflexões sobre Adam Smith e a Consciência Moral

Ao refletir sobre os benefícios e malefícios do crescimento e o que realmente precisamos fazer nos próximos anos, volto novamente a Adam Smith para tentar compreender o que de fato o motivava. Busco no seu primeiro livro, Teoria dos Sentimentos Morais, algumas respostas. Nesse livro, Smith explora a natureza da moralidade e das relações sociais. Ele argumenta que as ações humanas são motivadas não apenas pelo interesse próprio, mas também por sentimentos de simpatia e empatia pelos outros – uma forma de entender e compartilhar suas emoções.

Smith introduz a ideia da consciência moral, ou “espectador imparcial”, apresentando que somos levados a agir de acordo com princípios éticos e sociais. E também aborda o equilíbrio entre interesse próprio e benevolência, acreditando que a sociedade deveria ser guiada por um equilíbrio entre o bem-estar individual e a preocupação com o bem-estar dos outros. Para ele, a moralidade social é criada por esse equilíbrio.

Esse Adam Smith, filósofo, talvez seja menos conhecido do que o economista, mas é a base do que ele tentou construir no capitalismo.

Entretanto, em algum momento, o avanço do capitalismo se desviou de sua ideia original, deturpado pela corrupção, ganância e pela falta de visão do todo. A verdadeira amplitude do impacto das nossas ações, que poderia ser obtida por meio da consciência, foi esquecida.

Despertando para a Transformação

Recentemente, li o livro Despertar, de Raj Sisodia, cofundador do movimento Capitalismo Consciente. Nele, Raj compartilha momentos íntimos e significativos de sua vida, apontando o caminho do despertar e do autoconhecimento como uma chave para iniciarmos a verdadeira jornada de transformação necessária. Para ele, o movimento de despertar começa quando tomamos plena consciência do impacto de nossas ações no mundo, e isso vai muito além de práticas superficiais ou soluções temporárias.

Raj nos alerta que as mudanças estruturais e organizacionais que precisamos implementar não podem ser alcançadas apenas com reformas nas leis ou com iniciativas pontuais como os ODS e ESG, por mais importantes que sejam. A verdadeira transformação exige uma revolução interior — um despertar coletivo para a percepção da interconexão entre todos os seres humanos e a nossa natureza. As soluções externas são necessárias, mas não são suficientes. Elas devem ser complementadas por uma transformação interna profunda em cada um de nós, para que possamos agir com verdadeira responsabilidade.

O capitalismo, como o conhecemos, precisa evoluir não só em termos de práticas, mas na sua essência. Para que o modelo atual dê espaço a um capitalismo mais consciente, será preciso que os líderes empresariais, políticos e cidadãos se conscientizem da responsabilidade moral que carregam sobre a natureza e todos os seres, sobre as relações sociais e o legado que querem deixar para as gerações de seus filhos e netos. Não basta mais focar apenas nos números e lucros — precisamos olhar para os efeitos de longo prazo das nossas ações e do nosso consumo desenfreado.

Raj Sisodia nos lembra que a mudança não virá de cima para baixo, mas de dentro para fora. Precisamos de uma consciência coletiva que transcenda os interesses pessoais e se conecte com o bem-estar coletivo. Esse tipo de consciência não está relacionado apenas com saber o que é certo ou errado; trata-se de uma mudança profunda de percepção, onde os interesses de todos são considerados igualmente importantes.

No entanto, o despertar da consciência não é algo fácil ou imediato. Ele exige coragem para confrontar velhos paradigmas, assumir responsabilidades e buscar a transformação em nós mesmos, antes de esperar que o mundo mude ao nosso redor. Como Smith argumentou em sua Teoria dos Sentimentos Morais, a consciência moral e a capacidade de empatia são fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e equilibrada. Esse tipo de consciência pode ser cultivado ao longo do tempo, mas exige prática constante de reflexão e ação ética.

O caminho para um capitalismo mais justo e sustentável não é sobre fazer mais do mesmo com novas roupagens. Não será suficiente apenas adotar medidas superficiais de responsabilidade social ou ambiental, como aumentar os investimentos em ESG ou impulsionar os ODS de forma pontual. A verdadeira mudança será visível apenas quando as empresas, os governos e os indivíduos adotarem uma nova visão do que significa prosperar: um entendimento de que o verdadeiro sucesso não está em explorar os recursos do planeta até o limite, mas em respeitar e restaurar o equilíbrio com a nossa natureza e a sociedade.


Autor

Ariolino Andrade, conselheiro deliberativo do Capitalismo Consciente Brasil e sócio-diretor da Triconsult

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