Capitalismo Consciente combate onda anti-ESG

Confira a entrevista exclusiva com Daniela Garcia, a primeira mulher CEO do Capitalismo Consciente no Brasil

Capitalismo Consciente combate onda anti-ESG

Primeira mulher CEO do Capitalismo Consciente no Brasil, articuladora de negócios entre segundo e terceiro setor, especializada em projetos de impacto socioambiental, ela se mantém calma quando ouve alguém dizer que a onda ESG já passou.

Entusiasmada em continuar a sua jornada, promovendo soluções inovadoras e socialmente responsáveis, Daniela Garcia é uma otimista responsável, que arregaça as mangas para não apenas defender o ESG mostrando que o capitalismo pode, sim, ser consciente sem deixar de ser capitalismo e até lucrar mais com isso. E que o Brasil pode ser líder dessa caminhada.

Gostaria que você falasse sobre os riscos à causa da sustentabilidade impostos pela volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Qual o tamanho do desastre?

Essa é a pergunta do momento. Vou fazer uma reflexão aqui junto com você para que a gente consiga falar sobre o assunto de uma forma bastante clara. Todos nós ficamos atordoados com a veemência, com a rapidez com a qual o assunto sustentabilidade, ESG e, obviamente, todos os seus assuntos verticais, incluindo diversidade e inclusão, foram imediatamente freados pelo novo governo americano. Até porque a gente vinha num crescente falando sobre o assunto desde a pandemia, com vozes internacionais, vozes do mercado financeiro ecoando a importância da gente olhar para as métricas ESG. Precisamos observar essa questão por diferentes aspectos e um dos mais relevantes é entender que a pauta ESG foi superacelerada nos últimos anos. Tivemos uma onda enorme de empresas que decidiram fazer absolutamente tudo para fazer com que as suas ações fossem orientadas para o impacto socioambiental imediato. E, obviamente, isso impactou em valores, em projetos dentro das empresas, em transições muito relevantes. E isso tem custo. Então, o que acontece nos Estados Unidos são investidores olhando uma supercorrida ao ESG e pensando: “isso aqui vai impactar na lucratividade, no resultado de médio e longo prazos. Então isso que eu quero”. O que a gente precisa entender é que estamos num momento de redimensionamento. Defendemos que o ESG não terminou, primeiro porque ele é absolutamente necessário. Depois, porque faz parte de uma conduta de negócios que está olhando do estratégico do momento atual, para o longo prazo. Afinal de contas, a sustentabilidade faz com que o negócio se perpetue. Então o ESG está passando por uma remodelação de estratégia de negócios para que encontre a melhor forma, a forma mais saudável para que ele possa seguir dentro do ambiente de negócio. Então ações que eram muito radicais se tornaram ações menores, mais organizadas. O capitalismo consciente acredita que toda empresa precisa ser sustentável. E a palavra sustentável é uma palavra de conjunto, uma palavra de sistema. 

Então, o que a gente está passando agora é um freio de arrumação, a busca por um ESG real? O ESG é uma pauta estratégica e a gente precisa, talvez, refinar o tático?

Exatamente. Quando a gente fala de diversidade e inclusão, se esse título é tão incômodo, a gente pode transformá-lo em vertentes de segurança psicológica no ambiente de trabalho, por exemplo, que é uma das pautas agora para nós, brasileiros, que mais repercute. A gente pode falar em inclusão de jovens, em diversidade geracional. São pautas todas correlatas à diversidade e inclusão. O Brasil é um dos países que tem a maior quantidade de leis para diversidade e inclusão, inclusive. Então, a gente tem cotas, tem lei do PCD, a gente tem jovens aprendizes, a gente tem uma enormidade de leis que falam sobre como incluir e como acolher diferentes grupos dentro dos nossos negócios, inclusive com a mão governamental subsidiando e regulando tudo isso. A gente já está em âmbito regulatório, com uma amplitude bastante grande sobre o assunto. E não vamos voltar para trás. Essa pauta brasileira, como já está regulada, já tem governança e não tem como voltar. Então, vamos trabalhar com um olhar mais calmo, fazendo esforços para que a gente consiga falar sobre os assuntos de forma estratégica, perene, para ter solidez na própria pauta, inclusive, relatórios de resultados bem apurados para mostrar para as pessoas, as conselheiros, os investidores, para o mercado de uma forma geral.

O Brasil sempre foi visto como esse lugar de onde poderiam vir soluções. Do lado ambiental, bastante óbvio, pela nossa biodiversidade, e também como um lugar capaz de oferecer soluções sociais também pela nossa diversidade. Qual o papel do Brasil na luta contra essa onda anti-ESG? Isso pode dar peso na nossa interlocução com as demais nações?

Pode, claro, com certeza. Pra gente finalizar essa questão de Brasil-Europa, Estados Unidos-Europa, as empresas que têm relacionamentos com os Estados Unidos terão, obviamente, que rever determinadas políticas e estratégias. Agora, empresas que não têm relação com os Estados Unidos, mas têm relação com empresas europeias, têm uma outra forma de conduta e vão ter também que rever essas formas de acelerar os seus processos. Cabe à liderança, mais consciente do seu papel, entender o impacto regional que ela tem, em detrimento às relações que tem com os Estados Unidos e com a Europa. Então, tenho certeza de que muitos CEOs vão agora e fazer uma grande reflexão sobre isso. O Brasil também tem se mostrado relevante em algumas pautas e pode abordar tudo para muito além da preservação da floresta. Queria colocar a luz aqui sobre uma coisa que a gente fala pouco, mas a Política Nacional de Resíduos Sólidos, ela foi regulamentada em 2022. Ela pressupõe uma corresponsabilidade, que vai do consumidor até as grandes fabricantes de embalagem. Isso significa que todos nós, de alguma forma, somos responsáveis pelo trato com o nosso resíduo. E o trato do resíduo faz toda a diferença em mudanças climáticas, na saúde, no bem-estar. E, logo na sequência, vem a lei da economia circular, em 2024, que joga luz em uma conexão direta entre o que é ambiental e o social porque inclui o intermediário da economia circular, que é o catador. Eles são os grandes protagonistas da logística do recurso e da gestão do lixo no Brasil. Então, essa é uma regulação que trabalha o ambiental, porque trata a gestão de risco, e trata do social, incluindo aquele grupo que pode expandir a nossa ação, e ela dá luz a todos os projetos que precisam olhar desde o seu tempo de produção, desde a sua criação. Eu acredito muito no Brasil como protagonista de uma agenda verde. A COP 30 no Brasil tem tudo para colocar holofotes potentes sobre o assunto, fazer com que a gente consiga apresentar grandes soluções e inovações.

Vivemos, claramente, no mundo, uma onda conservadora, na qual valores que julgávamos assentados são questionados como a própria democracia. Olhando pelo lado prático, porque a democracia é importante para o capitalismo?

Nossa, que pergunta! Bom, o capitalismo é um sistema econômico que nos trouxe até aqui com enormes saltos de progresso, mas precisamos pensar em como chegamos num capitalismo tão endurecido, tão imediatista, versus o capitalismo que foi criado ou almejado, para a geração de riqueza e de prosperidade para todos. Dá para ser diferente? Temos que mudar a regra do jogo. Fazer um capitalismo melhor, dando a oportunidade para todos. Fazendo com que as pessoas sejam incluídas na economia de alguma forma. Quanto mais gente na economia, mais ela tem resultados positivos. A democracia favorece com que o capitalismo seja melhorado. O tempo todo falamos sobre sustentabilidade. Não dá para entender a sustentabilidade se não olhar para o legado de longo prazo. Isso é coletivo.

Agora eu queria que você falasse agora do Capitalismo Consciente Brasil. O movimento chegou ao Brasil em 2013, três anos depois de surgir nos Estados Unidos. Qual a estrutura do Capitalismo Consciente hoje no Brasil?

O Capitalismo Consciente surge como uma instituição que vai congregar as empresas que estavam orientadas para fazer uma gestão mais humanizada e olhando para impacto positivo, e isso permanece. Em 2013, chegamos ao Brasil, crescemos e nos transformamos numa célula bastante importante do Capitalismo Consciente no mundo. Formamos um ecossistema de mais de 100 empresas e também um ecossistema de pessoas físicas. Essas pessoas acreditam no conceito e usam o conceito nos seus negócios pessoais, ou são professores, que falam sobre empreendedorismo, inovação, sustentabilidade, com base no capitalismo consciente. Criamos, nos últimos cinco anos, filiais brasileiras que eram pontos de contato onde empresários em todas as regiões podiam se conectar e receber informações pontualmente, participar de eventos regionais. No final do ano passado, a gente fez uma grande pesquisa para entender o que as pessoas no entorno das filiais desejavam e como poderíamos melhorar essa relação. Eram quase 200 voluntários trabalhando e falando sobre capitalismo de forma constante. Decidimos horizontalizar a estrutura interna e depois fazer a mesma coisa com todas as filiais e todas as pessoas que estavam no nosso entorno. Deixamos com que as filiais e as pessoas físicas se tornassem, na verdade, uma grande rede de multiplicadores, porta-vozes do capitalismo consciente. Então, criamos a rede de agentes. Todos esses porta-vozes têm capacitação em capitalismo consciente, são signatários e participam no dia a dia dos nossos conteúdos. E a grande reformulação também, junto com os agentes, é a nossa plataforma de educação. Agora muito mais robusta, com uma série de minicursos internos, conteúdos, todas as nossas revistas, guias de boas práticas, e-books de primeiros passos para uma série de assuntos. Com isso, trazemos inovação, modernidade, espaço para conversas que vão muito além da regionalização.


Autora

Daniela Maciel, repórter do Diário do Comércio.

Conteúdo originalmente publicado no veículo Diário do Comércio.

Veja também: