De quem é a culpa pelo ESGwashing?

Entenda como todo o ecossistema pode ser responsabilizado – Por Stephanie Kohn

Washing, do inglês, lavar. Quando junto de outra palavra, significa apropriação injustificada de algum tema importante. O greenwashing, por exemplo, engloba iniciativas aparentemente “verdes” de empresas relacionadas ao meio ambiente. No pinkwashing, a lavagem ocorre em cima da causa LGBTQIA+, e no ESGwashing as pautas sociais, ambientais e de governança corporativa são maquiadas para uso indevido. O apelo marqueteiro de empresas, produtos ou serviços que não apresentam de fato uma justificativa para o seu posicionamento – ou o fazem de forma superficial – é considerado uma lavagem.

Uma empresa pratica ESGwashing, por exemplo, quando seus esforços no universo verde não são proporcionais à grandeza de sua operação. Ou seja, ao anunciar investimento de R$ 1 milhão em energias renováveis sendo que seu faturamento supera os R$ 200 bilhões. Ou quando a participação de mulheres na organização é de 40%, mas nenhuma delas ocupa cargos de liderança. Outro exemplo é a prática de anunciar metas de redução de emissões de CO2 para daqui 30 anos sem apresentar um plano efetivo de curto e médio prazo ou um roadmap adequado de ações.

Para se ter ideia do tamanho do problema, em 2019, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) analisou mais de 500 embalagens de produtos de higiene, limpeza e utilidade doméstica. Todos tinham ao menos uma alegação ambiental, porém boa parte deles carecia de informações precisas que pudessem de fato comprovar sustentabilidade aplicada. A conclusão: 48% dos produtos avaliados praticam greenwashing (lavagem verde), sendo a pior categoria a de utilidades domésticas, que apresentou alguma irregularidade em 75% dos itens. Na primeira edição do nosso podcast (ouça aqui), Nelmara Arbex, sócia-líder da prática de ESG da KPMG, explica que o ESGwashing ocorre quando uma iniciativa comunicada publicamente dá a impressão de que a empresa tem um impacto mais positivo do que realmente tem – seja de propósito ou por desconhecimento.

Nesse caso, a companhia se “vende” com uma faceta engajada, ética e/ou sustentável com o intuito de se promover e, assim, atender as demandas do mercado por um mundo mais equilibrado. Por outro lado, a incompreensão do tema pode levar organizações a acreditar que suas iniciativas estão alinhadas com a agenda ESG, ainda que estejam longe disso.

“Os dois casos produzem o mesmo efeito negativo. O investidor – e consumidor – é ludibriado e enganado, e, eventualmente, acaba tomando decisões com base em fundamentos frágeis”, analisa Fábio Alperowitch, sócio-fundador da FAMA Investimentos, em entrevista ao Economeaning.

Para o gestor, pioneiro do ESG no Brasil, em ambas situações as empresas são desmascaradas. O problema é que a identificação do ESGwashing demora demais a acontecer, pois quem deveria ter a capacidade crítica para identificá-lo não tem. “Durante muito tempo os ESGwashers vão reinar quase que sozinhos. Tem poucas pessoas fazendo denúncias e o mercado aceita”, completou. O perigo, portanto, é que empresas sem qualquer real intenção de adotar as práticas ESG continuem prosperando – e enganando.

No geral, Fábio acredita que o mercado como um todo adotou uma leitura reducionista da agenda ESG e elegeu temas mais importantes que outros, o que incentiva a adoção de atalhos corporativos e estimula o washing.

“No meio ambiente, tudo virou clima e clima virou carbono. Na área social, o tema eleito foi a equidade de gênero. Vejo que basicamente se as empresas endereçam estas duas pautas, elas recebem respaldo do mercado como se fossem grandes aderentes da agenda ESG”, opina.

O exemplo dos green bonds

A emissão de títulos verdes ou green bonds – títulos de dívida atrelados a projetos e iniciativas sustentáveis – já entrou inclusive no radar das autoridades devido à possibilidade de greenwashing. Recentemente, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, demonstrou preocupação em relação à prática.

“Precisamos ter certeza de que não teremos [greenwashing] porque, se o fizermos, todos sofrerão com a reputação e você basicamente destruirá o mercado antes que ele nasça,” disse ao jornal Financial Times.

Para Fábio, o problema é o que está nas entrelinhas. “Na emissão de títulos sustentáveis, enquanto o emissor, a empresa, está louca para emitir o bond para se atrelar à temática da sustentabilidade, o investidor quer se rotular como responsável. No entanto, há um conflito de interesse explícito, pois, geralmente as empresas que não cumprem as metas têm aumento da taxa (paga) e isso é bastante positivo do ponto de vista do investidor. O produto é complicado e precisa ser visto com muita lupa”, alerta Fábio.

Os responsáveis

O ESGwashing não é necessariamente uma mentira. É uma meia verdade, algo que não conta a história toda e que demanda conhecimento para ser identificado. Isso porque os temas que embarcam o ESG são extremamente complexos, com efeitos sistêmicos e que exigem tempo de estudo razoável para serem compreendidos em sua essência.

Sob esse aspecto, não apenas as empresas praticantes, mas diversos players do mercado acabam tendo sua parcela de responsabilidade na “aceitação” das lavagens. Os próprios investidores são ainda pouco preparados para ter um olhar crítico na identificação de práticas sustentáveis incertas ou parciais.

A mídia, outra grande jogadora do ecossistema, também embarca nessa onda, segundo Alperowitch. A partir de uma cobertura extensa e pouco criteriosa, todo tipo de iniciativas, incluindo as rasas e às vezes duvidosas, ganham palco. Conforme explica o especialista, os anúncios das companhias não são devidamente apurados com a profundidade necessária e às vezes escondem detalhes importantes. Mais uma vez, o desconhecimento sobre os temas é apontado pelo gestor como um elemento problemático.
“Jornalistas precisam aprender na prática os temas de ESG, assim como aprenderam sobre finanças, esportes e outras editorias.

Deve haver um amadurecimento. Além disso, é preciso escutar múltiplas fontes, não apenas do mercado financeiro, pois elas têm a mesma carência de entendimento. É necessário olhar para outros stakeholders”, comenta Fábio.

As próprias instituições financeiras se tornam responsáveis por enaltecer empresas que nem sempre são referências nas práticas ESG. Para Fábio, os índices de sustentabilidade, como o ISE (índice de Sustentabilidade Empresarial) da B3, têm deficiências metodológicas. Ainda assim, para os investidores, o índice é visto como um celeiro de boas empresas. A consequência, segundo o gestor, é que muitas pessoas acabam investindo em companhias questionáveis sob o aspecto da sustentabilidade.

“Tenho ressalvas quanto aos índices, pois são frios e não capturam as essências das empresas. O ISE em especial perdeu
credibilidade quando tinha Vale no momento em que as barragens romperam, tinha Braskem quando a empresa afundou um bairro [em Maceió] e tem Petrobrás agora. Apesar de ele ter sido o quarto índice do tipo no mundo, ele ficou ultrapassado, tanto que está sendo revisto do ponto de vista metodológico”, observa. Saiba mais sobre a mudança do ISE que está em curso.

Outros índices também são problemáticos na visão do especialista: destaque para o de resiliência climática, que aponta as empresas mais transparentes em relação ao clima e não as que menos emitem CO2. Sendo assim, investidores menos atentos e que não se aprofundam para entender os critérios do índice são levados a aportar capital em organizações pouco sustentáveis.

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