Educação Financeira: o caminho para evitar o endividamento e a inadimplência

O crédito tem se destacado no suporte ao consumo das famílias desde 2019, mas notadamente a partir da segunda metade de 2020, o endividamento acelerou no país. A flexibilização da pandemia, o aumento abrupto da inflação e a retomada do consumo de serviços aceleraram o crescimento da proporção de famílias endividadas. 

O ano de 2022 foi encerrado com 78,9% dos lares brasileiros com algum tipo de dívida, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência dos Consumidores (Peic), apurada mensalmente pela CNC desde janeiro de 2010, com cerca de 18.000 pessoas em todos os estados e no Distrito Federal.

Os indicadores de endividamento do Banco Central (Bacen) e da CNC consideram dívida todo recurso contratado com o sistema financeiro e, nos dois casos, os números recentes mostram recorde de pessoas que se endividaram contratando crédito no país, para várias finalidades: comprar uma roupa no crediário de uma loja, pagar o mercado, a farmácia ou esticar o orçamento do mês financiando a conta de luz no cartão de crédito.

Endividar-se consiste em usar o dinheiro de terceiros (bancos, fintechs, administradoras de cartão de crédito, por exemplo) para a aquisição de bens ou serviços, para o que o indivíduo paga uma taxa de juros de acordo com o prazo de quitação da dívida. Quanto mais tempo, mais juros. 

É importante entender que uma dívida é um compromisso financeiro com características diferentes de uma conta de consumo, embora ambos sejam passivos assumidos pelo consumidor. No valor contratado de uma dívida está embutido o custo do empréstimo no tempo, os juros remuneratórios, enquanto uma conta de consumo (despesas correntes fixas ou variáveis) equivale ao valor de um serviço prestado, por exemplo, energia, água, gás, telefonia. 

É possível transformar uma conta de consumo em uma dívida? Sim, se o consumidor paga uma conta de luz no cartão de crédito ele se endividou para quitar uma despesa corrente. Essa prática tem sido comum por diversos fatores econômicos e comportamentais.

O acirramento da inflação levou as famílias de menor renda a usarem o cartão com mais frequência para comprar itens de primeira necessidade. Mas a retomada do entretenimento fora de casa, de viagens, e as despesas maiores com serviços em geral, em um ambiente em que esses itens estão mais caros, também explicam o avanço no volume de endividados no cartão de crédito. 

Os dados da Peic mostram os consumidores se endividando por prazos mais curtos e principalmente nas modalidades com maior grau de associação ao consumo de curto prazo.

O cartão de crédito é umas das principais escolhas, é um meio de pagamento altamente difundido e um tipo de crédito fácil, embora seja dos mais caros. Foi a modalidade de dívida que mais cresceu entre 2021 e 2022, e 85,6% dos consumidores endividados possuem dívidas no cartão. A evolução das carteiras digitais, os programas de pontos e cashback, também estimularam o endividamento no cartão de crédito, com as promessas de recompensas.

O uso dos carnês e cartões de loja igualmente vem crescendo: as famílias estão buscando mais o crédito direto com o varejo, fora do sistema financeiro tradicional, na dinâmica de diversificação do endividamento. Cerca de 18% do total de endividados possuem dívidas em carnês, proporção que aumentou nos últimos anos, sendo a segunda mais relevante entre as famílias de renda média e baixa.

A intensificação das operações de crédito pelas grandes varejistas estimula o endividamento nos carnês. O varejo é um grande detentor de informação e dados dos consumidores, e as grandes redes enxergam na ampliação de suas carteiras de crédito uma forma de ampliar a base de clientes e fidelizá-los.  

Uma dívida atrasada ou uma conta de consumo não paga são situações de inadimplência. E aqui cabe esclarecer uma confusão que é bastante comum: o endividado não necessariamente está inadimplente.

O consumidor torna-se inadimplente quando não respeita a data de vencimento do compromisso, e está sujeito às penalidades da ausência do pagamento (multa, juros de mora, negativação do CPF, corte no fornecimento do serviço, entre outras). O indivíduo pode contrair uma dívida ao usar o crédito, mas estar adimplente pagando a parcela em dia.

A proporção de consumidores com dívidas atrasadas cresce desde novembro de 2021, e no final do ano passado atingiu recorde de 30% do total de famílias no Brasil. Ou seja, a cada 10 famílias, três precisam atrasar o pagamento de alguma obrigação, segundo os dados da Peic.

O alto grau de endividamento dos consumidores é um alerta natural para os riscos de insolvência, especialmente no contexto de juros altos. E o avanço dos indicadores de inadimplência provocaram bancos, financeiras e o grande varejo a reverem os modelos de concessão. O crédito está bem mais caro e escasso, os credores estão mais seletivos, o que penaliza quem está nas faixas de menor renda, onde o grau de inadimplência é mais elevado.  

Mas o maior uso do crédito nem sempre é negativo, pois assim como a renda do trabalho, o crédito é um dos determinantes do consumo. Muitos produtos e serviços, uma casa, um carro, uma smart tv, por exemplo, simplesmente deixariam de ser adquiridos pela imensa maioria das famílias brasileiras não fosse o crédito. 

Demonizar o crédito não é a solução, os esforços precisam se concentrar na avaliação da qualidade dos recursos que estão sendo tomados, especialmente no cenário em que os juros podem predominar altos por mais tempo, acirrando as despesas financeiras. 

É urgente que a conscientização financeira esteja na rotina das pessoas e das empresas, quanto mais cedo o cidadão se instrui em finanças e planejamento do orçamento, mais autonomia e eficiência ele conquista nas decisões de consumo e uso do crédito, ampliando o potencial para poupar. Olhar constantemente e discutir o orçamento doméstico com a família são iniciativas que racionalizam o uso do dinheiro. 

A capacidade de pagamento das dívidas e do consumo futuro é outro ponto que merece atenção da sociedade, do poder público e das partes envolvidas na relação de crédito: o que esperar para o desempenho do mercado de trabalho à frente, a sustentabilidade dos programas de transferência de renda, e a evolução da inflação? 

Olhando para 2023, o endividamento e a inadimplência elevados estão entre os grandes desafios para o crescimento econômico. O crédito se consolidou como grande determinante do consumo, e o consumo é um dos principais motores do PIB.


Izis Ferreira é economista na Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), contadora, mestre em economia com ênfase em economia empresarial, especialista em gerar inteligência e insights com dados, estatística e econometria.


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