Obcecado pelo propósito em vez do lucro

Empresas que praticam um capitalismo para shareholders e colocam o lucro como centro do universo, e seus gestores em primeiro lugar, colocarão todos os demais stakeholders em planos distantes

Desde 2013, o Capitalismo Consciente começou a se consolidar no Brasil com o objetivo de transformar o jeito de se fazer investimentos e negócios no país, para diminuir as desigualdades, multiplicando os pilares que levam a uma gestão mais humana, mais ética e mais sustentável.

Acreditamos que um negócio só é bom quando cria valor para as pessoas e o planeta, é ético quando baseado em trocas verdadeiras e voluntárias entre seus stakeholders, é nobre quando tem a capacidade de inspirar e elevar a dignidade humana e, principalmente, é heroico quando tira as pessoas da pobreza, gerando prosperidade econômica.

Os negócios conscientes têm que ter pelo menos quatro pilares fundamentais: 1) um propósito que responda à pergunta: “qual a dor da sociedade realmente quer curar?”; 2) tratamento equânime de todos os colaboradores, clientes, fornecedores, concorrentes, governo, investidores e acionistas; 3) um líder consciente, que cuida das pessoas, para que, todos juntos, cuidemos do nosso planeta; 4) e uma cultura consciente, na qual as pessoas sejam cuidadas e compreendam o verdadeiro “por quê?” por trás daquilo que fazem.

Em 8 de janeiro, assistimos estarrecidos à invasão, por extremistas radicais, que, em atos totalmente irracionais, negando o resultado das urnas eletrônicas, auditadas e comprovadamente legítimas, invadiram e depredaram as casas dos três poderes institucionais de nosso Brasil. Tentaram pela força, violência e incitação ao ódio e intolerância abalar a Democracia e nossa Liberdade. Novamente, fomos levados a escrever outra carta aberta, desta vez endereçada ao povo brasileiro e aos presidentes da República, Congresso e STF, repudiando os atos com veemência e nos solidarizando com as instituições democráticas.

No dia 11 de janeiro, ainda estávamos digerindo os acontecidos em Brasília e acompanhando as rígidas investigações e apurações dos responsáveis pelos atos de terrorismo, quando fomos novamente impactados, desta vez por um anúncio de fraude contábil, que artificialmente aumentou os lucros e suas distribuições ao longo de anos de uma grande empresa de varejo brasileira, de capital aberto, auditada por empresa internacional e responsável por mais de 40 mil empregos diretos, cujos impactos não parecem que foram considerados para privilegiar os ganhos de poucos.

Por que traçamos esse paralelo entre os fatos políticos e empresariais? Acreditamos que onde há poder concentrado e pessoas que se inspiram em falsos líderes, há falta de governança e decisões unilaterais que beneficiam, por pouco tempo, pequenos grupos, que são egocêntricos e lutam pela escassez, seja de poder, seja de dinheiro.

Em 16 de janeiro, nosso conselheiro emérito e sócio fundador da Fama Investimentos, Fábio Alperowitch, escreveu um texto intitulado “(…) O capitalismo tóxico do ‘resultado a qualquer custo’”. Nele, traz de forma clara a diferença entre o Capitalismo para Shareholders (apenas acionistas), onde a única responsabilidade social da empresa é a maximização do retorno e lucro aos acionistas. O que não diz, mas pratica, é que, na maioria das vezes, esse lucro é gerado às custas da dor, da miséria e da infelicidade dos demais stakeholders (partes relacionadas), como colaboradores, fornecedores, clientes, comunidade, governo etc.. E o Capitalismo para Stakeholders (partes relacionadas), onde o propósito alinha todos os stakeholders, que inclui os shareholders, na busca da maximização desse propósito, sendo o lucro e retorno consequência do sucesso desse alinhamento.

Desta forma, o primeiro modelo, seguido por essa empresa que gerou o rombo contábil e, por consequência, financeiro para todos seus stakeholders (agora o shareholder entende que faz parte do todo, também de forma equânime), tem como obsessão (busca cegamente) a maximização do lucro, o que muitas vezes significa passar por cima dos interesses dos demais stakeholders, para atender os interesses exclusivos dos sharehoders e do grupo de executivos, que acredita nessa cultura e faz tudo para ter “sucesso” e ganhar muito com isso. O segundo modelo tem como obsessão a busca do propósito com performance.

Essas diferenças estão enraizadas na cultura da empresa, o que vai ser encarado e enaltecido como um valor? O que será abraçado por aqueles que quiserem ter “sucesso” nessas empresas e, consequentemente, virarão a prática/modus operandi do dia a dia.

Para o primeiro grupo, “sucesso, será definido como fama e grana – muita grana”. Para o segundo grupo, “sucesso será definido pela forma que impactam positivamente a vida das pessoas”.

As empresas podem curar ou machucar as pessoas e o planeta. A escolha sempre estará nas mãos dos líderes. Mas, se não escolherem, conscientemente, o lado da cura, escolherão o lado da dor. Porém, quando a iniciativa privada trabalha para entregar valor à sociedade e ao meio ambiente, isso volta para o negócio e para a marca no curto prazo.

Por isso, as empresas que praticam um capitalismo para shareholders e colocam o lucro como centro do universo, e seus gestores em primeiro lugar, colocarão todos os demais stakeholders em planos distantes, que em vez de serem servidos e cuidados, serão “usados” para que a empresa maximize seus interesses próprios, criando, dessa forma, uma organização que agride e machuca as pessoas e o planeta, sendo uma ameaça à beira de destruir o planeta e desestabilizar a sociedade.

Por outro lado, se a empresa escolhe praticar um capitalismo para todos os stakeholders e colocar a VIDA (das pessoas, do planeta e dos outros seres) como centro do universo, seus gestores serão beneficiados depois que todos os outros stakeholders tiverem sido, criando uma organização que cura e cuida das pessoas e do planeta, sendo uma das maiores invenções da humanidade e enorme fonte de prosperidade.

Negócios devem criar valor para todas as partes interessadas, de forma equânime e simultânea. Devem criar uma relação GANHA/GANHA/GANHA, pois, para ser bom para a empresa, tem que ser para os demais stakeholders e para todos os envolvidos. Não é propósito ou lucro, mas propósito com lucro e lucro com propósito.

Muito se tem falado de ESG (Ecoambiental, Social e Governança), mas estamos esquecendo que deveria ser praticado na ordem inversa: GSE, começando por uma governança ética e transparente, que produza resultados financeiros sustentáveis e valores compartilhados com todos os stakeholders. O “COMO” deve ser muito mais importante do que o “QUANTO”, que deve ser consequência. Essa inversão é a única forma de se garantir que não sejam praticadas ações antiéticas, que beneficiem poucos e prejudiquem muitos.

Aliás, empresas que praticam o capitalismo para shareholders, como nesse caso, não poderiam sequer falar em ESG, pois, se a única “obsessão” é a maximização do lucro, como se importar com as pessoas e com o meio ambiente?

É importante alertarmos para o fato de a empresa em questão não ser, infelizmente, uma exceção, mas mais uma, numa grande porcentagem das empresas do mundo, resultado de uma cultura impregnada desde o final dos anos 1970 e vista por muitos como a “fórmula do sucesso corporativo, mas principalmente do sucesso de investidores e executivos”.

A grande questão é: teria a prática efetiva dos pilares do ESG evitado o problema, ou seja, evitado a busca da maximização do lucro “a qualquer custo?”, uma verdade enraizada na cultura de “obsessão pelo resultado? A grande questão, mencionada acima, é: poderia uma empresa do capitalismo para shareholders praticar os pilares ESG de fato?

Devemos incentivar fundadores, líderes e colaboradores a escolherem mudar os rumos de seus negócios. Não podemos mais aceitar empresas que “usam” as pessoas e os recursos naturais em seu próprio benefício, perseguindo ser a “maior e melhor organização DO mundo”, em vez de “cuidarem e servirem” as pessoas e o planeta, buscando ser “a melhor empresa PARA o mundo”.

Não é fácil, mas necessário. As empresas não podem mais continuar nesse rumo de apenas gerar retorno financeiro (e só) aos shareholders. Precisamos de um novo paradigma. A crise climática, a pandemia, as guerras, as mídias sociais, as novas gerações e suas implicações comportamentais, socioambientais e financeiras inevitáveis exigem um novo modelo de contrato social.

Os principais desafios socioambientais são o egoísmo, a ganância e a apatia. Para lidar com eles, precisamos de uma transformação cultural, moral e espiritual. James Baldwin disse: “nem tudo que é encarado pode ser mudado, mas nada poderá ser mudado se não for encarado”. Líderes sempre dão o tom. Mais do que tarefas para serem executadas, e uma remuneração por isso, eles devem dar às pessoas algo para acreditarem.

“Somos o que fazemos, mas somos, principalmente, o que fazemos para mudar o que somos” – Eduardo Galeano.

O Capitalismo Consciente é a jornada da transformação.

Reprodução: Este artigo foi originalmente publicado na Época Negócios. Clique AQUI para conferir

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