Evolução se sustenta com gentileza

Dentre todas as siglas com as quais convivi em 30 anos de comunicação corporativa, ESG é a que mais me convidou a pensar. Não sei se isso é herança da maturidade, mas o fato é que ando simplesmente apavorada com o “final dos tempos”, como dizia minha mãe diante de grandes descalabros. A ideia de que apoiamos – consciente e inconscientemente – a degradação permanente da natureza, das relações humanas e da noção legítima de lei e justiça tem me rondado em livros, filmes, artigos, pesquisas e conversas. Mas é sobretudo no coração que ela tem me machucado.

Moro ao lado de um parque natural e aqui me sinto como a que precisa pedir licença, o que não me impediu de, em desespero, instigar meu marido a matar duas cobras e duas aranhas que o sol de verão tirou das tocas e colocou perto de casa. Quando ele quis me atribuir o carma desse assassinato em série, uma culpa genuína me tomou: como pude atacar meus anfitriões, aqueles que se distanciaram de mim exatamente por medo do que eu pudesse fazer a eles? Traição da pior espécie.

Sim, você pode dizer: é utopia, é loucura. Eu tenho chamado de ecoconsciência. E é este enredo que passou a representar pra mim o E de ESG. Olho a exuberância do meu encontro com o ecossistema neste endereço onde meu espírito escuta a essência de cada espécie ou elemento, de cada estação do ano, de cada emoção que a empatia me ensina. É uma estrada-estrela, que expressa o embrião do equilíbrio entre minha existência e a economia, aqui vista em sua etimologia – eco vem do grego oikos, que significa “casa, lar, ambiente” e o elemento de composição logia, que representa estudo, cuidado – de cuidar desta casa, o nosso planeta, do qual todos dependemos. O que espero? Que a escolha por este espaço me encha de energia, extraindo do espelho onde me vejo os estragos e enganos da exclusão, da exploração, da entropia e do esquecimento. E que me empreste o encanto capaz de estimular o entusiasmo pelas experiências que ensinam, pelos estímulos que explicam e pelas entregas que, efetivamente, jogam luz sobre a escuridão. É isso que, de uma vez por todas, exporá a ecologia como essa entidade que exige de nós a educação para a evolução.

Pausa para um café, hábito sagrado para os mineiros. E no silêncio da sala, numa sequência sem fim de sensações em busca de saídas, sorrio por saber que a semente da sustentabilidade está logo aqui. E penso no S de ESG. Ele é sinônimo de sobrevivermos como sujeitos numa sociedade cuja sentença é caminhar junta. Não somos mais selvagens diante dos santos que vieram nos salvar. Não há mais senzalas, mas existem os que têm saudades dos séculos dos senhores e sinhazinhas, quando a salvaguarda da subsistência, cobrada com sangue, separava os homens da saúde e da boa sorte da existência. No sopé do sofrimento dessa saga, suspiramos pela salvação que vem com a sensibilidade que ora nos torna subversivos, ora sonhadores. Entre nossas semelhanças e singularidades, caminhamos submersos, com sede de superfície. Esse salto deve ser fruto da sabedoria e da sagacidade de substituir relações de submissão e segregação entre as organizações e as pessoas por soluções solidárias, simples, serenas e seguras, de forma a selar pactos cuja síntese seja a sustentação do verdadeiro sentido de sociedade.

Ao tirar os olhos da mata e do café, abro a revista Piauí de janeiro, que vou ler atrasada, é claro, porque é leitura demais e tempo de menos. Penso no G de ESG e me deparo com a palavra genocídio: extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso. E o peso da governança cai inteiro na geografia do meu corpo, que traz com ele os genes de todas as gerações passadas, suas guerras, guetos, gostos e gritos. O golpe dos genocidas, que somos nós ao destruirmos a natureza, as relações humanas e a noção de ética e justiça, forjada há tantos séculos para nos tornar melhores, estende suas garras e me sufoca. Penso em tanta gente que passou e naqueles que gestarão o futuro, germinando a ganância e a ingovernabilidade no lugar da gratidão e da grandeza de alma. É grave, é muito grave. Se as organizações, como garantidoras de um sistema de produção sustentável, não se tornarem guias dessa genealogia que privilegie a generosidade para com os homens e a terra, a grafia da nossa gênese se apagará da vida como gaia. Junto com elas – as empresas – precisamos nos tornar guardiões da nossa geração e das que virão, sendo genuínos em nossos gestos, governando nossas decisões, mantendo gratidão pela graça que nos foi concedida: seguir fazendo gestão com gentileza.

Terminado o café, a leitura e a mirada sobre a mata, concluo que ESG para mim e para o Coletivo é um tanto diferente da sigla em inglês. Passeando por tantas palavras iniciadas com e, s e g em português, nosso grupo decidiu não privilegiar a exclusividade em nada, mas aspirar pela inclusão em tudo. Isso significa que, pra nós, o conceito de ESG passa pelo de uma evolução sustentada pela gentileza. Ir em frente cuidando do planeta, das pessoas e da qualidade em todas as nossas relações. Natureza, pessoas e economia seguindo na mesma jornada de serem gota e grão numa aldeia global que, de tão generosa, cabe na palma de cada mão.


Júnia Carvalho é jornalista, doutora em Literatura e sócio-fundadora do Coletivo


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