Em evento do Fórum do Capitalismo Consciente, executivos de companhias como O Boticário e Kimberly-Clark Brasil falaram sobre o que não fariam novamente na jornada ESG
Empresas que desenvolveram nos últimos anos, ainda no âmbito de teste, projetos e ações para atender aos três pilares da agenda ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança) estão no momento de reavaliar e entender quais resultados foram, de fato, efetivos. As pautas relacionadas ao tema dominaram o mercado corporativo nos últimos anos. Somente no Google Trends, ferramenta que mostra o volume de buscas sobre um determinado assunto, o interesse pelo ESG atingiu, em junho de 2023, o seu nível mais alto em 19 anos. Especialistas ouvidos pelo Estadão destacam que a agenda está em um momento de mudança, e a sociedade civil e o terceiro setor começam a cobrar a implementação de planos práticos que ajudem a levar as empresas a se tornarem mais responsáveis.
“Todas as empresas estão numa jornada de aprendizado que deve sempre começar com uma atitude não muito apreciada no mundo dos negócios, mas fundamental: a humildade. Trata-se de algo novo, e muitas empresas e suas lideranças não sabem por onde começar, e mesmo que tenham começado, estão em processo de aperfeiçoamento”, afirmou o presidente do Conselho do Instituto Capitalismo Consciente Brasil, Hugo Bethlem.
Para ele, é necessário entender que todas as empresas se encontram em período de adaptação e entendimento da agenda. “As empresas mais ESG são aquelas que admitem que têm que constantemente rever seus processos e mudar suas jornadas”, disse.
Esse é o momento vivido pela Kimberly-Clark Brasil, por exemplo. Em uma discussão durante o 3º Fórum Brasileiro do Capitalismo Consciente, em São Paulo, a presidente da companhia, Andrea Rolim, destacou que as empresas estão passando por um processo de mudança para entender quais ações funcionam ou não para suas realidades. Ao rever os processos adotados pela empresa, ela disse ter verificado que a questão racial ainda era um ponto a ser trabalhado internamente. Segundo a executiva, a empresa pensava que precisava de mudanças abruptas ou de alto investimento para alterar alguma situação, mas a questão estava na necessidade de alterar o processo pelo qual essas mudanças ocorreriam.
Para aumentar a quantidade de pessoas negras, por exemplo, a companhia adotou um processo às cegas na contratação de jovens aprendizes — o que teve resultado. “A gente não vê quem está entrevistando, não sabemos se ele fez uma escola pública, a cor, se é bonito. Ele vê a gente e a gente não vê ele. O processo mudou o perfil que conseguimos encontrar para contratação. Agora, 55% dos estagiários são negros”, conta. A executiva destaca que muitas vezes ações pequenas podem alterar efetivamente o quadro e as metas da empresa. “Estou tentando fazer isso agora em todos os níveis, mas está complicado”, admite.
O conselheiro e gestor da área da Saúde, Edvaldo Vieira, que também participou do painel, afirmou que a mudança nos processos é uma questão essencial para haver uma mudança efetiva nas empresas que se propuserem a ampliar a diversidade. Ele dá como exemplo o fato de que as empresas costumam, historicamente, buscar profissionais nos mesmos lugares, o que faz com que elas acabem contratando pessoas das mesmas faculdades, sem questionar se o processo, de fato, é inclusivo.
Para mudar isso, ele destaca ser preciso, sim, realizar mudanças como o processo às cegas, mas também questionar o status quo das pessoas que já estão nas empresas. “Não é só uma questão da empresa, é nossa enquanto sociedade também. É preciso sempre lembrar que as posições de poder ainda tem o mesmo perfil: de um homem branco de 50 anos”. Além disso, o especialista destaca ser importante comunicar a posição da empresa para a sociedade entender quais as ações já foram adotadas e o que ainda precisa ser feito.
Durante o painel, outras empresas foram questionadas sobre o que mudariam em suas jornadas. O CEO do Grupo O Boticário, Fernando Modé, afirmou ser preciso corrigir eventuais falhas que apareçam no percurso de implementação da agenda de diversidade na empresa. Questionado sobre quais falhas corrigiria, o Boticário afirmou estar comprometido com o desenvolvimento da agenda ESG desde 1994 e que o grupo “acredita que a evolução coletiva e consistente é fundamental para garantir e alcançar o impacto positivo na sociedade”.
“A estratégia de diversidade, equidade e inclusão contempla o negócio de modo 360° e os desafios da sociedade, a partir da priorização de grupos minorizados do País: pessoas com deficiência, população LGBTQIA+, mulheres, pessoas negras e pessoas 45+. Os cinco públicos são objeto de um trabalho coordenado e sistêmico que mira mudanças estruturais. Os projetos desenvolvidos sempre consideram a interseccionalidade como premissa”, disse a empresa, em nota.
No evento, o CEO do grupo salientou que o amadurecimento de uma empresa rumo à pauta é um processo. “Sempre vai ter esse processo para que possamos andar de forma produtiva e engajar as pessoas”, disse. Ele destacou ser essencial existir um núcleo de coordenação na empresa para cuidar da área e controlar as métricas a longo prazo.
A sócia e superintendente de comunicação do Itaú Unibanco, Pâmela Vaiano, destaca que o mercado já aceita que as empresas não precisam, necessariamente, apresentar um projeto pronto, mas sim os processos pelos quais está passando e o que está sendo implementado. Elas precisam mostrar as suas “vulnerabilidades” até que, de fato, atinjam a meta.
“Há 20 anos, quando as empresas estavam começando com essa agenda, era muito fácil publicizar suas iniciativas. Com um ambiente regulatório e com os olhos do mundo voltados para essas pautas, sinto que as empresas vêm tendo mais receio de falar, justamente porque a construção não é bem-aceita pela sociedade. Se espera que as empresas estejam muito prontas para essas temáticas, sendo que é um processo”, afirmou Vaiano durante o evento PR ao Cubo de ESG, realizado pelo Itaú em São Paulo, na última sexta-feira, 29.
Para o fundador da consultoria Mais Diversidade, Ricardo Sales, os ajustes ou mudanças que devem ser feitas para adaptação da agenda às empresas é um reflexo da temática nas companhias, considerando que a maioria das empresas brasileiras continua nos primeiros estágios da agenda ESG. Ele destaca que algumas empresas ainda evitam falar sobre o assunto com medo de que admitir erros ou mudanças seja uma admissão de falha. “A melhor forma de lidar com o tema é a transparência radical. Não adianta omitir dados ou informações. Se os números não são bons, é preciso falar sobre eles e apontar quais medidas estão sendo tomadas para melhorá-los”, afirma Sales.
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