por Telma Delmondes*
Você nunca muda as coisas lutando contra o que já existe. Para mudar alguma coisa, construa um novo modelo que faça com que o modelo atual se torne obsoleto.
Richard Buckminster Fuller
Um capitalismo que não funciona mais
Inúmeros cursos e tratados sobre liderança são produzidos anualmente e, quanto mais a gente estuda e vive a liderança, mais fica evidente a superficialidade desses programas. Estes tangenciam a essência da transformação e perpetuam discursos que continuam afirmando os mesmos padrões do passado, sem provocar nenhuma mudança no sistema.
O mundo está presenciando a maior disrupção de sua história. Mas muitas lideranças parecem que são mantidas para fortalecer os interesses que não agregaram valor para o coletivo. Lazonick, escreveu em um artigo da Harvard Business Review/2019, a partir de uma avaliação de 449 empresas, que 91% dos lucros, em dez anos, foram para investimentos, recompra de ações e dividendos, restando apenas 9% para aplicação na capacidade produtiva ou melhoria de salários.
Um abismo enorme ainda separa os verdadeiros valores humanos do mundo empresarial e muito do que ocorre está no conceito e visão da economia e do capitalismo vigente no mundo. Tive um professor no curso de pós-graduação em Estudos para a Paz e Resolução de Conflitos que, ao ser indagado sobre o tempo de vida do capitalismo, ele respondia: “eu quero ter a longevidade do capitalismo”, numa clara percepção de que seria improvável qualquer mudança nesse sentido. Mas nesse modelo de capitalismo, muitas pessoas estão perdendo a vida ao tentar ganhá-la com seu trabalho e isso não pode ser mais aceito.
O Capitalismo que só gera lucro
A transformação da realidade requer liderança, mas temos de pensar que tem algo de profundamente equivocado com o sistema maximizador de valor econômico, muito eficiente na sua visão estreita de lucratividade financeira de curto prazo, sem levar em conta os efeitos terríveis sobre a vida dos indivíduos, grupos, organizações e do planeta.
Existe uma frase que foi transformada quase em um slogan para justificar o injustificável. Essa frase é usada por empresários como uma metáfora perversa: “Não é pessoal, são apenas negócios”. Com essa falta de consciência, as organizações se transformam em indústrias geradoras de vulnerabilidades sem precedentes em múltiplos aspectos. Torna-se necessário desvincular o Capitalismo Consciente da economia motivada apenas pela especulação em detrimento do desenvolvimento de uma economia real que privilegia o capital humano, social, cultural e criativo. Aprendemos, nas universidades e escolas de negócios, que uma empresa é organizada com a finalidade de gerar lucro aos acionistas e as diretorias servem a esse propósito.
O início de um novo rumo empresarial
Ao ter conhecimento do trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Instituto do Capitalismo Consciente Brasil, baseado nos estudos de Bob Chapman e Raj Sisodia, ficou evidente para mim, que se trata mais do que um modelo, é um novo paradigma em desenvolvimento e pede uma nova liderança. O capitalismo consciente está alicerçado em Pilares: Propósito Maior, Orientação para Stakeholders, Liderança Consciente e Cultura Consciente.
É uma nova forma de lógica econômica, focada no bem-estar do todo, de todas as partes que constituem um negócio. É uma inversão institucional de longo alcance da inteligência coletiva de todos stakeholders e que demanda um modelo comunicacional inovador, transparente e consciente para que a transição possa ocorrer e reconectar os elos de uma corrente que nunca poderia ter sido quebrada.
O Capitalismo Consciente tem um papel vital para o propósito do século 21, que é criar um mundo melhor para todos, um desafio moral do mundo contemporâneo. Com esse conceito de capitalismo e uma visão ética, poderemos acelerar, de forma exponencial, as mudanças que o mundo precisa e reduzir as tensões globais. Nesse modelo, a abundância e a lucratividade são compatíveis e gera-se prosperidade para os stakeholders. Os exemplos são inúmeros de que essa transformação é possível e já vem se transformando em realidade para muitas organizações.
Capitalismo, pandemia e guerra
A crise mundial, provocada pela pandemia, está nos possibilitando repensar tudo. Ainda estamos digerindo uma guerra contra um vírus, um elemento considerado um dos mais simples da natureza, mas que provocou uma tragédia mundial. A economia da inteligência artificial com seus algoritmos também é movida por uma guerra econômica nessa aceleração competitiva de startups.
Com os últimos acontecimentos da guerra na Ucrânia, motivada por interesses de uma indústria bélica de alto poder da Rússia e o avanço da Otan no Leste Europeu, relembrei os conceitos de paz e violência estrutural de Johan Galtung, um dos ícones da educação para a paz, que convivi em 2021, durante a minha formação. Ficou evidente para mim que nenhuma situação demonstra as contradições do mundo contemporâneo do que um conflito bélico e que a paz e a violência são escolhas humanas, mediadas por interesses econômicos poderosos e de longo alcance, deixando o mundo perplexo.
Nesse sentido, a hegemonia das plataformas digitais está inserida no contexto do capitalismo para atender aos interesses globais, fomentando a indústria tecnológica. Tudo está interconectado. Mas apesar de tantos avanços tecnológicos, existem ainda bilhões de pessoas em que os direitos básicos são negados e a pandemia estampou esse quadro e essa situação terminou afetando a todos indistintamente.
O Capitalismo Consciente deve ocupar um lugar de destaque no trabalho da liderança do século 21. Será uma competência muito importante e crucial, pois está sintonizada com as oportunidades de um futuro, “onde todos possam caber”.
* Telma Delmondes é diretora-executiva da Gesthum-Gestão para uma Cultura Humanizada, mentora de Desenvolvimento de Lideranças e Organizações Humanizadas e é conselheira na Filial Regional do Capitalismo Consciente no Nordeste.