A sustentabilidade que habita em mim: um chamado à liderança consciente.

O ser humano mal reconhece os demônios de sua própria criação

Albert Schweitzer

Tudo começou com a visão de uma mulher, onde a mais bela das estações do ano tinha a vida silenciada! Os pássaros não cantavam, não se ouvia as risadas das crianças e as pessoas e os animais morriam lentamente. No céu havia uma brisa leve e quente, como prenúncio de que algo muito ruim se aproximava. Era a visão sobre um futuro marcado pela esterilidade da vida, como um alerta para as futuras gerações sobre os perigos da perda da biodiversidade, equilíbrio maior que mantém todas as formas de existência.

A “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson, previa os danos causados pelas ações antrópicas ao meio ambiente e os terríveis impactos sobre as pessoas e animais. Iniciava-se ali, a partir daquele livro, um movimento mundial em favor da manutenção da vida no planeta.

Ah, querida Rachel! Não é mais o silêncio da primavera que nos assusta. Hoje, somos atormentados pelos estrondos das tempestades que invadem as cidades, inundam plantações e afundam a esperança dos seres humanos por um futuro melhor. Você nos ensinou sobre as muitas maneiras pelas quais podemos perturbar o delicado equilíbrio da natureza. Mas seu livro vai além: ele é a voz revolucionária dos direitos de todos os seres vivos numa luta pela vida, e nos faz refletir sobre qual o legado que deixaremos ao mundo.

A sustentabilidade não é apenas uma estratégia, mas liderar com consciência, buscando a regeneração do mundo. O desafio é ir além da simples conformidade socioambiental e encontrar uma harmonia que sustente tanto os negócios quanto os ecossistemas que cercam os muros das organizações. E isso pode ser tão simples quanto reduzir desperdícios nos processos, ou tão complexo quanto reformular produtos e serviços para minimizar impactos e potencializar mudanças significativas na sociedade.

  1. O Legado da Primavera Silenciosa

Rachel, você nos deu um presente precioso: a clareza de que a natureza não é apenas um recurso a ser explorado, mas também um complexo sistema vivo do qual somos parte. Sim, nós constamos nas coisas vivas deste planeta e, como tal, somos convidados a nos conectar com a beleza natural suas paisagens, suas espécies mais plurais e sua riqueza cultural.

Mas a vida acelerada da sociedade moderna está perdendo a noção do caráter cauteloso do tempo da natureza e de todos os seus ciclos. Nos orgulhamos de ser a única espécie com poder significativo para alterar os elementos do mundo, mas nos tornamos reféns de nossa própria arrogância, ingrediente crucial para a nossa desconexão com o todo.

Vivemos de narrativas que tentam ocultar a nossa incapacidade de convivermos harmonicamente com a natureza, embasada por valores falidos que não promovem a sustentação da vida. Somos amortecidos por pílulas de meia verdade para suportarmos as crises ambiental, climática e humanitária que vivemos hoje, como pequenos gatilhos de ignorância que nos mantém em letargia diante dos sérios problemas do mundo. Pessoas e empresas buscam apenas sobreviver, valendo-se mais de como obter o resultado final, do que apreciar as pequenas conquistas do caminho.

À medida que o produto penetrava no solo, as larvas envenenadas de besouro rastejavam para a superfície da terra, onde permaneciam por algum tempo antes de morrerem, atraindo os pássaros que se alimentavam de insetos. E os pássaros que sobreviveram possivelmente haviam se tornado estéreis. Embora alguns poucos ninhos fossem encontrados na área tratada, muitos poucos continham ovos e nenhum tinham filhotes. Estes inseticidas não são venenos seletivos, eles não isolam uma das espécies de que desejamos nos livrar

CARSON, pg.89

Rachel querida! Armas mais violentas e devastadoras foram criadas pelos seres humanos e elas nos corroem por dentro, consumindo nossa esperança sobre a própria humanidade. Nós estamos, lenta e silenciosamente, drenando as últimas gotas de vida deste mundo. Mas, ainda assim, precisamos falar sobre dinheiro. Nós precisamos falar sobre o que é mais valioso para esta sociedade, o elemento balizador para todas as relações.

Valorizamos o sucesso através da riqueza e da degradação em detrimento da vida e, neste processo, a sensibilização é vista de maneira pejorativa, numa desqualificação que não condiz com a própria natureza humana. Mas o que é mais valoroso: a bravura de um coração compassivo aos problemas ambientais ou a credibilidade de testemunhas veladas e complacentes com a degradação do mundo? O chamado é oficial, mas o voluntariado é seletivo.

  1. O Legado que Escolhemos Deixar

Atualmente, os valores torpes de nossa cultura são como inseticida sistêmico, que tem a capacidade de impregnar todos os tecidos de uma planta ou animal e torná-los tóxicos, matando-os sem que eles percebam. Isto poderia ser previsto, mas as distrações são maiores. Num mundo acelerado, precisamos aumentar a produtividade, e até os ciclos mais comuns são substituídos por sistemas artificiais. Nos esquecemos de respeitar o tempo das coisas e nos perdemos na falta de respeito com o nosso próprio tempo.

Nos tornamos juízes da vida: se vemos utilidade imediata em algo, nós o cultivamos e valorizamos, mas se por qualquer razão achamos sua presença indesejável, ou se é indiferente às nossas aspirações, podemos condená-lo imediatamente. À medida que o ser humano avança rumo ao seu objetivo proclamado de conquistar a natureza, ele vem escrevendo uma deprimente lista de destruição, dirigida não só à terra em que ele habita, mas também contra os seres vivos que compartilham essa mesma terra com ele.

Na teia da vida, existem relações íntimas e essenciais entre todos os elementos, num complexo e magnífico sistema que impulsiona energia do mundo e molda todos os biomas naturais. Controlar a natureza representa um desafio de controle sobre a própria natureza humana, devastar outros horizontes é querer ultrapassar os próprios limites, numa manifestação soberba e imprudente de querer controlar o mundo. Se antes a preocupação era com a matança dos inseticidas devastando floresta adentro, hoje, a erva daninha está impregnando a alma humana, enraizada num ego insaciável.

O que de fato estamos pactuando? O que de fato estamos fazendo para suprir as urgências de nosso planeta?

Precisamos de sabedoria! Precisamos de lideranças que sejam marcadas não apenas pelo crescimento e lucro, mas pelo respeito profundo e genuíno pelo planeta que compartilhamos, liderando não apenas para enfrentar os desafios ambientais, mas para trabalhar ativamente na construção de um futuro em que a empresas e a sustentabilidade prosperem juntos.

Sou otimista por escolha e me recuso a ceder ao desespero ou à inação! 

Quem vem junto?

Fonte: CARSON, Rachel. (1962). Primavera Silenciosa. 1ª Ed. São Paulo, GAIA: 2010 – 10ªreimpressão – 2023.


Autora

Gisele Victor Batista, diretora da Harpia Meio Ambiente

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