Para o escritor e consultor empresarial, o Brasil está liderando a conscientização por um novo modelo econômico
Miséria, fome, burnout, ansiedade, destruição do meio ambiente, mudanças climáticas extremas. Esses são alguns dos efeitos do atual capitalismo para Raj Sisodia, fundador de um dos movimentos mais proeminentes na busca pela transformação desse modelo: o Capitalismo Consciente.
Em entrevista à Forbes, ele afirmou acreditar que as empresas podem fazer mais do que apenas buscar lucro – as companhias devem ser responsáveis pelo seu entorno, agindo de forma sustentável e consciente para maximizar o bem-estar social.
“O capitalismo nos trouxe evoluções importantes até aqui, mas agora é necessário que o próprio modelo evolua. A mentalidade do lucro trouxe consequências negativas para todas as espécies e ameaça as gerações futuras. Mudar se tornou necessário”, diz Sisodia.
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O movimento de Sisodia é apoiado por 180 empresas brasileiras, dentre elas gigantes industriais como Gerdau, Klabin e Vibra, além de outros nomes significativos, como Petz, Alelo, Movida e Reserva. No total, são 4.500 empresas signatárias, incluindo Starbucks, Whole Foods e Costco.
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O escritor e consultor empresarial veio ao Brasil para participar do Flash Humanidades, evento da startup de RH Flash Benefícios sobre transformação e inovação nos negócios, que aconteceu na noite de ontem (10), em São Paulo.
Leia a entrevista de Raj Sisodia à Forbes Brasil:
Quais os problemas do capitalismo como o conhecemos hoje?
O capitalismo é um sistema incrível e fez muito pela humanidade, precisamos reconhecer isso. Por milhares de anos, 90% da população vivia em extrema pobreza, sob regimes absolutistas de monarcas, sem alfabetização e com expectativa de vida baixa. Em 200 anos, muito mudou em parte graças ao capitalismo.
Mas agora estamos começando a ver o outro lado dessa evolução. Muitas das consequências negativas são resultado da maneira como pensamos sobre o capitalismo, um pensamento muito estreito, com foco em dinheiro e poder.
Diminuem-se os custos para aumentar as margens, e o resultado é o sofrimento dos funcionários, que vivem infelizes e doentes. As empresas poluem o ar, a água, causam extinção de espécies. O resultado são as mudanças climáticas que matam e ameaçam milhares de pessoas.
Tudo isso são danos de um século. O que acontecerá depois de outro século vivendo dessa forma?
Como o capitalismo consciente propõe mudar isso?
Há muita dor e sofrimento nos negócios na busca pelo lucro. O capitalismo consciente é um ganha-ganha para todos e para isso trabalhamos com quatro pilares que criam um nível totalmente diferente de operação como um negócio.
Minha pesquisa para um livro chamado “Firms of Endearment” mostrou que as empresas que operam segundo o capitalismo consciente superam em nove vezes o desempenho médio das empresas do S&P 500 em dez anos. Embora estejam pagando melhor o seu pessoal, pagando melhor seus fornecedores, cuidando de seus clientes, investindo em suas comunidades, investindo no meio ambiente e pagando impostos mais altos, eles ainda têm mais dinheiro para retornar aos investidores.
Por quê? Porque quando você faz todas essas coisas, você expande a criação de valor e o potencial do negócio.
Quais são os quatro pilares do capitalismo consciente?
Os quatro pilares respondem a quatro perguntas: “Por quê?”, “O quê?”, “A quem?” e “Como?”, cujas respostas são: propósito, cultura, líderes e stakeholders.
No “Por quê?”, a antiga resposta era lucro, e passa a ser propósito. Nesse primeiro pilar o objetivo é encontrar soluções lucrativas para os problemas das pessoas. O propósito tem que estar enraizado para atender genuinamente as necessidades, não criando vícios e desejos, mas satisfazendo de fato as reais necessidades. O lucro se torna uma meta mensal para atingir o propósito, não o objetivo final.
Em seguida temos a cultura. Uma cultura de confiança, transparência, onde as pessoas se sentem animadas para ir trabalhar, seguras e genuinamente cuidadas. Hoje, a maioria das empresas tem uma cultura difícil, estressante, em que as pessoas temem a segunda-feira. É por isso que os ataques cardíacos são mais frequentes às segundas. Há muito medo.
O terceiro pilar é liderança. Atualmente pensamos nos líderes simplesmente como pessoas que devem entregar resultados, números, lucros, receita, crescimento. Um líder consciente se preocupa com as pessoas, com o propósito da organização. Eles estão lá para servir e elevar a vida dos funcionários, cumprindo o propósito e a cultura da sua organização.
Você cria um nível totalmente diferente de organização e muda a mentalidade. Não se cria valor apenas para os acionistas, para os donos do negócio, mas para todas as partes interessadas: clientes, funcionários, fornecedores, comunidades. Se integra todos juntos, portanto trata-se de um valor para os stakeholders, não somente os acionistas.
Como está o engajamento das empresas nesse novo modelo de capitalismo?
Está crescendo. Nosso movimento começou em 2008 e acredito que novas ideias, novos paradigmas passam por três fases: o saber, o absorver e o implementar. Há uma grande consciência no mundo de que a velha maneira de fazer negócios não é mais suficiente ou aceitável, que é preciso haver um novo caminho, que é um capitalismo consciente.
No Brasil, temos cerca de 180 empresas signatárias. No mundo, algo como 4.500. Estamos em grandes cidades e diversos países, incluindo México, Espanha, Portugal, Israel, Chile e outros. Então, o movimento está crescendo, as ideias estão sendo aceitas e a adoção já está acontecendo.
Estamos caminhando para um momento em que vai parecer ridículo, sabe? Se alguém se levantar e fizer um discurso dizendo que somente o acionista importa e o único objetivo de um negócio é o lucro, isso vai soar bobo. E a vida das pessoas? Nosso futuro? O futuro que vamos deixar para nossos netos e os netos dos nossos netos?
Quais formas de resistência você ainda enfrenta ao falar sobre uma mudança no sistema?
As maiores fontes de resistência são duas. Uma é a mentalidade. A maneira de pensar que as pessoas têm, especialmente as que foram para escolas de negócios e têm um diploma para exibir. Valor para o acionista é a teoria dominante, o modo como os negócios funcionam para eles.
É muito difícil para os seres humanos desaprender uma ideia antiga antes de absorver uma ideia nova. Quando você já viveu sua vida com certo conjunto de crenças, são muito poucas as pessoas que são capazes de mudar isso, especialmente se você estiver na liderança. E essa é a outra parte.
As pessoas que chegaram ao topo são as que realmente carregam essa mentalidade. É sempre uma questão de poder e dinheiro. E eles não estão interessados em mudar porque, por sua definição de sucesso, eles se saíram muito bem, ganharam muito dinheiro e têm muito poder.
Eles estão felizes? Provavelmente não. Eles sentem satisfação? Provavelmente não. Porque eles não se sentirão felizes até que tenham US$ 200 milhões, e depois US$ 300 milhões… Eles pensarão: “Meu Deus, meu vizinho tem US$ 400 milhões”. Não há limite para esse jogo, e esse não é o jogo que queremos no mundo.
Se é uma questão de mentalidade, como mudar isso?
Algumas pessoas passam por uma transformação e viram a chave. Você pode dar a eles um livro, apresentar novas ideias, levar a uma palestra e, de repente, elas acordam. Muitos outros não, e não há como forçar isso.
Então, a única resposta é: ou você muda o líder ou você muda de líder. Líderes melhores fazem um mundo melhor. Líderes ruins podem destruir o que levou décadas ou séculos para se criar e são capazes de muita destruição.
Precisamos de mais mulheres líderes também, bem como de homens que sejam mais holísticos em sua abordagem, pessoas mais conscientes, que tenham inteligência emocional, que tenham inteligência espiritual, certo? Esses são os tipos de líderes que precisamos ter em todos os níveis. Acho que esse é o maior desafio e a maior oportunidade.
Como está o Brasil nessa mudança, na sua opinião?
Estive aqui algumas vezes e estou familiarizado com algumas das empresas daqui. Temos um projeto que está procurando identificar empresas brasileiras e ele já mapeou cerca de 200 que se encaixam nos nossos critérios.
Eu acho que há muito interesse aqui. Diria que o Brasil está liderando em comparação com a maioria dos países em termos de conscientização. Vejo muita assistência, consultorias, workshops e ferramentas de orientação para as empresas.
Acredito que na América Latina, em geral, temos muitos signatários do capitalismo consciente. Não sei exatamente por que isso acontece, mas acho que existe uma divisão histórica. O mundo anglo-saxão é muito voltado para o racional, sabe? Acredito que o mundo latino tenha um componente emocional maior, que integra os negócios.
O que esperar do capitalismo consciente nos próximos anos?
Eu acredito que o processo de mudança vai acelerar. Até agora estivemos numa espécie de platô, que em algum momento vai deslanchar e acelerar.
Nós vimos isso com movimentos sociais, com a tecnologia. As mudanças começam devagar e de repente atingem as massas. Em 1989, ninguém poderia imaginar a queda do muro de Berlim dois dias antes de acontecer, e, de repente, aconteceu e o mundo mudou.
Acho que algo parecido vai acontecer no mundo e acho que esse ponto de inflexão é provável nos próximos cinco anos.
É uma questão de valor. É nas empresas conscientes que os funcionários vão querer trabalhar. São elas que receberão milhões de dólares de investimentos. São elas que os clientes vão descobrir e priorizar. Tudo se move nessa direção e a fórmula antiga se torna obsoleta e irrelevante.
Ainda temos muitos dinossauros andando por aí, eles parecem grandes e bem fortes, mas estão vivendo além da conta, em um tempo que não é deles – a menos que mudem e se adaptem.
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