Enquanto muitas empresas declaram compromisso com práticas ESG, poucas percebem que boa parte da sua coerência — ou da sua contradição — está nos contratos que assinam. É ali, na linguagem que escolhem, nas cláusulas que exigem, nos riscos que compartilham (ou impõem), que os verdadeiros valores aparecem.
Se uma empresa diz valorizar relações humanas, inclusão, sustentabilidade e ética, mas continua firmando contratos padronizados, complexos, distantes e intransigentes, há uma dissonância importante a ser observada. Falar de ESG é também — e talvez antes de tudo — falar de como contratamos, com quem contratamos e para que contratamos.
1. O contrato como espelho da cultura organizacional
Contratos não são apenas instrumentos jurídicos. São expressões da cultura de uma empresa. Um contrato construído sob máxima desconfiança, linguagem impositiva e cláusulas opressivas comunica, de forma silenciosa, a maneira como aquela organização se relaciona com seus parceiros.
Já um contrato claro, dialógico, escrito com linguagem acessível e construído de forma participativa, transmite outro tipo de valor: respeito, transparência, responsabilidade compartilhada. Esses são os valores centrais de uma cultura empresarial consciente.
2. ESG: coerência entre discurso e prática
O ESG vem sendo incorporado ao discurso empresarial com velocidade. Mas quando olhamos os bastidores, os documentos que sustentam relações de negócio, muitas vezes vemos contratos que ignoram aspectos fundamentais da responsabilidade socioambiental e das relações humanas.
Não se trata apenas de incluir cláusulas verdes ou sociais. Trata-se de revisar as práticas que orientam a construção desses contratos. Eles são discutidos com as partes envolvidas? As cláusulas refletem uma compreensão justa dos riscos e deveres? A linguagem permite que todos compreendam e se comprometam conscientemente?
3. O papel do advogado com visão estratégica e consciente
O Direito com Alma propõe um novo papel para a pessoa advogada: facilitadora de relações, guardiã de acordos claros e construtora de pontes. Não basta saber preencher ou criar uma minuta-padrão. É preciso ouvir, compreender o contexto, identificar potenciais conflitos e ajudar as partes a se expressarem com clareza. Isso inclui:
– Uma advocacia exercida por profissionais que cultivem algumas qualidades, como abertura, curiosidade, flexibilidade, disponibilidade, humildade, generosidade, compaixão e discernimento.
– Transformação do modelo mental de relacionamento dos setores da empresa como departamento jurídico. O famoso “manda para o
jurídico” ou “aguarda chancela do jurídico” carrega uma expectativa de proteção e futurologia que talvez impeça o advogado de cultivar as qualidades acima mencionadas.
4. Contratar com alma é praticar a paz nos negócios
Contratar com alma é criar relações mais equilibradas, transparentes e sustentáveis. É reconhecer que o contrato não precisa ser uma arma, mas uma ponte.
Empresas que desejam sustentar agendas ESG com coerência precisam olhar para seus contratos como ferramentas de construção de futuro. Isso exige coragem para abandonar velhas práticas, abrir espaço para o diálogo e reconhecer que a verdadeira responsabilidade não está no discurso, mas nas escolhas cotidianas.
Conclusão
O Direito com Alma propõe um caminho. Um percurso que une o rigor jurídico à leveza da escuta, a proteção legal à relação humana, e o contrato à consciência.
Se queremos empresas conscientes, precisamos de contratos conscientes. E para isso, precisamos de pessoas dispostas a reencantar a prática jurídica.
Para explicar o que é Direito com Alma, pontuamos que esta palavra – Alma, é escolhida com a função de símbolo, sem conotação espiritual ou religiosa.
Essa é a proposta: fazer do contrato não o fim de uma negociação, mas o início de uma relação mais viva, confiante e transformadora. O contrato como uma jornada.
Autora
Sandra Brandão é advogada há mais de 30 anos e criadora do projeto Direito com Alma (www.direitocomalma.com). Signatária do Capitalismo Consciente Brasil, estuda e sonha com a prática jurídica que apoie a paz nos negócios (www.linkedin.com/in/sandra-brandão43002027)





