A doação de alimentos é uma prática humanitária crucial para combater a fome e a insegurança alimentar em todo o mundo, e claro, também no Brasil. No entanto, apesar dos esforços de muitas pessoas e organizações, há uma série de desafios e obstáculos que dificultam significativamente esse processo de doação no país.
O primeiro tem a ver com a legislação brasileira sobre as doações de alimentos. As nossas leis envolvem questões burocráticas que, muitas vezes, desencorajam empresas e indivíduos a contribuir, já que há falta de clareza nas regulamentações e a preocupação com possíveis responsabilidades legais. Simplificar e esclarecer essas leis poderia incentivar mais doações, garantindo ao mesmo tempo a segurança jurídica para os doadores.
Outro desafio é o desconhecimento sobre incentivos fiscais. Muitos potenciais doadores simplesmente não conhecem os benefícios disponíveis para quem contribui com alimentos, mas eles existem. A falta de conscientização sobre esses incentivos impede um maior aproveitamento das oportunidades neste sentido e acaba fazendo com que, praticamente, seja necessário pagar para doar. Este é um contrassenso que precisa ser modificado, para que haja mais contribuições da parte de quem tem excedentes disponíveis.
O desperdício alimentar e a complexidade logística também estão entre os obstáculos. Isso porque o Brasil enfrenta um problema significativo de desperdício alimentar em todas as etapas da cadeia de suprimentos. A coleta eficiente de alimentos excedentes de supermercados, restaurantes e produtores agrícolas é dificultada por questões logísticas, falta de infraestrutura de armazenamento e transporte adequado, além da ausência de uma cultura consolidada de doação desses excedentes alimentares. Claro que isso tudo tem melhorado nos últimos anos, e um exemplo disso é a criação de movimentos como o Todos à Mesa e o Pacto Contra a Fome, mas precisamos de muito mais.
Por fim, temos a sensibilização e envolvimento da comunidade. A conscientização sobre a importância da doação de alimentos e o envolvimento da comunidade são essenciais para superar os desafios existentes. Muitas vezes, as pessoas não estão cientes da extensão da fome no país e da necessidade urgente de doações. A educação e a promoção de campanhas podem criar uma cultura mais solidária e facilitar a mobilização de recursos para combater dois problemas de uma só vez: o desperdício e a fome.
Para concluir, embora as doações de alimentos sejam vitais para o enfrentamento da fome no Brasil, os desafios logísticos, legais e culturais representam obstáculos significativos. A superação dessas dificuldades exige uma abordagem colaborativa, multissetorial entre o governo, as empresas, as organizações não governamentais e a sociedade civil. Felizmente, já existem diversas companhias, foodtechs e movimentos liderando essa empreitada, mas ainda se faz necessária a implementação de políticas mais claras, o investimento em infraestrutura logística e a promoção de uma cultura de doação para que essa prática seja mais eficaz.
Para quem quer contribuir ou obter mais informações, existe um excelente guia criado pelo Movimento Todos à Mesa.
Autora:
Alcione Pereira, Fundadora e CEO da Connecting Food – uma foodtech de impacto socioambiental que trabalha na gestão inteligente de doações de alimentos excedentes. Co-idealizadora do Movimento Todos à Mesa, primeira coalizão de empresas brasileiras unidas para a redução do desperdício de alimentos e combate à fome, e cofundadora do Pacto Contra a Fome, um movimento suprapartidário e multissetorial que tem como propósito contribuir para o combate à fome e para a redução do desperdício de alimentos no Brasil. Também atua como consultora técnica em projetos relacionados à cadeia de suprimentos humanitária, incluindo a redistribuição de alimentos oriundos do desperdício, para a FAO/ONU e Ministério da Cidadania