Desça da montanha e venha pra planície

Pense na montanha mais alta de sua região. Agora imagine que você está no cume desta montanha. 

Se por algum motivo você precisasse se comunicar com as pessoas que ficaram no sopé desta montanha, e lá em cima não tivesse sinal de celular, como você faria? Talvez tentasse gritar o mais alto que conseguisse, improvisasse fazendo gestos, acenando algo ou até fazendo um sinal de fumaça? Este improviso daria que nível de qualidade na comunicação? Será que poderíamos ter certeza de que a mensagem chegou como deveria ao receptor lá no sopé da montanha? Pois é, uso esta analogia pra falar da dificuldade natural no processo de comunicação que ocorre nas empresas altamente hierarquizadas e segregadas em departamentos, onde há muita distância entre o topo da pirâmide – ou da montanha – com sua base de colaboradores, seus times – o sopé da montanha, a base, a planície.

Será que neste contexto da distância vertical, a orientação estratégica e a inspiração intrínseca, que é um dos papéis da alta liderança, chega em todas as pessoas e em todo os os cantinhos da organização? Ou será que chega truncada, fragmentada, no mínimo perdendo sua essência, ou até em casos piores, gerando um efeito totalmente contrário?

A chance de que a comunicação do “topo” com a base fique comprometida é muito grande nas organizações com forte modelo de gestão hierárquica. E daí todos nós sabemos dos impactos da comunicação ruim nas organizações: desalinhamento cultural, confusão estratégica, falta de visão e clareza de onde queremos chegar, desperdício de tempo, crise de confiança, caça ao erro, e por consequência, um ambiente pouco saudável para as pessoas, e nada seguro para se experimentar, se arriscar e inovar, algo imprescindível para a competitividade das empresas hoje em dia.

Então, como minimizar este impacto negativo?

Podem existir vários caminhos, e claro que dependerá muito do contexto de cada organização, pois aspectos como cultura, nível de consciência da liderança e situação financeira, podem mudar a forma de se encarar este desafio.

Compartilho a experiência da empresa onde trabalho, de como estamos trabalhando para diminuir os problemas de comunicação. Ainda precisamos avançar muito, mas há sinais evidentes de como se fazer uma comunicação mais  fluida dentro de toda a organização.

Voltando para a analogia do início do texto, se trata de colocar todos na “planície”. Todos no mesmo nível para conversar e se comunicar. Trata-se de reduzir níveis hierárquicos, aproximando pessoas e áreas, e de se estimular o compartilhamento irrestrito da comunicação em todos os canais possíveis. Também se trata de estimular construções coletivas, convidando todos os impactados ou representantes dos impactos para a tomada de decisão. Quem ajuda a construir entende o contexto e assim consegue comunicar melhor os “por ques” e os “comos” de cada caminho escolhido. Neste aspecto as ferramentas digitais ajudam muito com grupos de Whats, reuniões rápidas via Teams, e outros meios. Se ainda não fazemos, parte importante é por ainda estarmos presos no “topo da montanha”, nos modelos altamente hierarquizados, onde líderes estão distantes dos seus liderados e da realidade, e onde o ego do chefe de ter mais informação do que seu time ainda vigora mais do que imaginamos.

Na analogia citada no início do texto, a planície é a base da organização, é onde todos estão lado a lado, onde ninguém está acima de ninguém. É nas planícies que os rios correm para o mar. É na planície que os ventos carregam sementes. É na planície que todos estão sob o mesmo sol e a mesma chuva. A planície facilita o processo de comunicação, pois estando todos no mesmo plano, há fluidez como nos rios. O processo de comunicação é orgânico pois não encontra barreiras físicas para ser truncado. As barreiras culturais, como a hierarquia “chefe – comandado”, gênese do comando e controle até continuam lá, mas com o tempo vão se fundindo com a paisagem plana, ao se perceber a natural melhora do ambiente.

Não estou dizendo que a hierarquia deva ser abolida, mas é inegável que estas estruturas são cada vez menos usuais nas organizações da nova economia. Estou falando sobre eliminar a distância entre topo e base, fazendo com que as lideranças desçam da montanha e venham conviver com seus times na planície, que é onde o jogo acontece, é onde estão os riscos, mas também as oportunidades. E é onde a comunicação mais precisa ser efetiva para manter as pessoas engajadas, alinhadas e produtivas, e que por consequência, torna a empresa um organismo vivo e consciente de seus impactos nas pessoas.

A comunicação é a principal ferramenta de um líder, afirmo isto com a experiência de quem lidera times há mais de 20 anos. Esta competência, antes era focada somente no interno, quando o líder se destacava ao conseguir comunicar valores e estratégias da empresa e com isto angariar o engajamento dos colaboradores. Porém, a evolução do ser humano e do ambiente de negócios passou a exigir das lideranças empresariais a ampliação do olhar para o externo, para o ecossistema, para o seu entorno. Este olhar precisa, cada vez mais, vir carregado de empatia e preocupação genuína de gerar impacto positivo nas pessoas que interagem direta ou indiretamente. Num grau ainda mais elevado, passa a exigir de algumas lideranças empresariais, o protagonismo para ajudar a transformar a sociedade num lugar melhor, através do respeito às pessoas e ao planeta. Para este ativismo positivo, fica ainda mais relevante a competência de se comunicar com todos os stakeholders, trazendo todos os atores pro mesmo contexto de termos desafios coletivos e que através da inteligência coletiva – sentir, pensar e agir juntos – ficarão mais próximas as soluções.

Então, fica o convite: vamos descer da segurança das montanhas e ir lá na planície dividir riscos e oportunidades com nossos times, gerando uma comunicação mais fluída e por isto, mais efetiva. Vamos sair dos “portões” de nossas organizações, conectando o nosso ecossistema para construir soluções coletivas para nossos problemas coletivos? Assim daremos mais um passo relevante para que nossa organização seja mais consciente do impacto que gera nas pessoas que diariamente, direta ou indiretamente, impactamos, e no planeta com recursos finitos, onde coexistimos.

Solon Stapassola Stahl é Colíder Regional do Capitalismo Consciente no Rio Grande do Sul.


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