Licença-pandemia

Por Daniela Garcia*

Como num trabalho de parto que nos pega de surpresa e nos faz correr para o hospital, fomos da mesma forma surpreendidos pela violência do novo Coronavírus e pela ordem de ficarmos em casa. Era março de 2020 e não sabíamos nada sobre o que curtíssimo prazo nos reservava.

Bebês não vêm com bula. Nem as pandemias.

A maternagem pode estar em todas as revistas femininas, filmes rápidos de Youtube e até mesmo na boca das maiores influencers do Instagram. Mas não está no seu repertório de conhecimentos até que aconteça com você. Ser mãe de primeira viagem é intimidador. Você não sabe nada na prática sobre cuidar de bebês. Aterrorizador para algumas, mesmo que coberto de bênçãos.

Ser pego de surpresa por uma pandemia é idêntico. Avassalador.

Estamos de licença maternidade há 7 meses. Aqui no Brasil, seria equivalente a uma licença de 6 meses e mais um mês de férias (infelizmente não para todas as mulheres, mas tomo como base a legislação e as práticas de empresas humanizadas com suas colaboradoras). Todo esse tempo cuidando de um bebê que se chama “novo normal”, que chegou de surpresa num dia de março sem que nos preparássemos, de fato, para ele.

Assim como numa licença, quem olha apenas para a casa e a família acha que está tudo muito bem. O bebê traz alegria, a casa está preparada para recebê-lo, e todos juntos vivem momentos de enorme satisfação.

Ora, ora…..

Quem está do lado de dentro vê e vive tudo por outro ponto de vista: dia e noites se organizando para cumprir novos papéis, uma casa tensa e cheia de movimentação para que tudo funcione bem, um grande exercício de flexibilidade entre momentos de cansaço e acolhimento. Medo, tensão e amor convivendo juntos, se entendendo e desentendendo, criando uma nova realidade.

Na licença maternidade chega uma hora em que é preciso criar novas rotinas e voltar para nossa vida lá fora. Precisamos voltar ao normal, mas um normal mudado, alterado pela nova disciplina criada com foco em outras atenções, cheio de regras para trabalhar, novos processos e novo timing.

O mesmo acontece na pandemia. Ficamos em casa no tempo estipulado, criamos rotinas e novas regras de convivência, entramos apavorados e saímos temerosos voltando ao nosso cotidiano cheio de novas regras e olhando pra casa como o lugar protegido e que nos acolheu.

A licença maternidade poderia ter sido (e espero que para muitos, foi) um período usado para nos interiorizarmos e sentirmos cada emoção. Um momento para perceber luz e sombra nas relações com o bebê e com a família. Espaço para testar nossos limites e entender o poder do amor e do estar juntos.

Saímos fortalecidos e mais maduros de uma licença maternidade. Nos sentimos mais poderosos como se a vida nos entregasse parte do segredo do porquê estamos aqui. Quando abrimos a porta para a nova vida sabemos que não somos mais os mesmos e que nosso papel na sociedade mudou. É preciso mais atenção ao que se constrói porque, afinal, estamos olhando para o futuro daquele bebe que parimos.

Na pandemia, o “estar em casa” nos exigiu a mesma coisa: olhamos para nós como seres vulneráveis e dependentes. O tempo de lockdown poderia ter sido usado para entendermos a importância e o papel de cada um em nossa vida, do quanto somos dependentes do entorno, da ajuda alheia, do serviço externo, do tempo que nos dão para resolver nossos problemas.

Para os líderes, é tempo de olhar os stakeholders com lupa!

O que acontece na casa e na vida dos colaboradores? Como posso ajudar e diminuir riscos, tensões e dúvidas? Onde está meu fornecedor agora? O quão vulnerável era o negócio dele? Onde está meu cliente e como posso servi-lo de forma plena para que tenha o produto que deseja? Quais valores tenho fortalecidos na minha empresa e que preciso exteriorizar para sociedade? A quais vulnerabilidades preciso me render para ser ainda mais transparente?

Pais conscientes, indivíduos mais maduros, empresas mais humanizadas. É assim que acredito que vamos sair desta licença-pandemia.

O novo normal, o próximo momento, a era que chega é aquela que nos mostrará o efeito de termos refletido sobre nosso papel, nosso propósito e, especialmente, pensado sobre o mundo que desejamos e estamos criando para as próximas gerações.

O que houve dentro da sua licença-pandemia?

*Daniela Garcia é, Diretora de Operações e Associações do Instituto Capitalismo Consciente Brasil (ICCB).

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