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O crescimento dos fundos sustentáveis é claramente uma tendência sem volta

por Francine Lemos* e Dario Neto* para Época Negócios (20 JUL 2020 – 06H02)

Uma das recorrentes questões durante a pandemia tem sido sobre como a narrativa de sustentabilidade, consciência e impacto por meio dos negócios se sustentará – ou não – durante todo o provável período de recessão (ou depressão) econômica dos próximos anos. São questões complexas com perspectivas de longo prazo que até os mais otimistas se tornam conservadores com o potencial fator acelerador da covid-19 para um novo jeito de investir e fazer negócios em linha com o capitalismo de stakeholders de Davos. Sustentabilidade seguirá tendo valor em meio a tanta escassez e desafios econômicos? Os critérios ambiental, social e de governança (ASG) serão priorizados por investidores? E qual a relação disso tudo com o aumento das desigualdades?

Entende-se que fundos de gestão ASG e índices ASG comprovem a narrativa de melhor performance no longo prazo e que os desafios econômicos não nos impedem de encorajar lideranças e empresas por meio de evidências animadoras e tendências que nos enchem de esperança. Se a imprevisibilidade parece nos paralisar, podemos confiar nos dados para assegurar o nosso caminho para a construção de uma economia mais justa e sustentável para todos. Entre os fatos mais recentes que provam a eficácia de uma Economia de Stakeholders, podemos destacar:

1. Performance de fundos e índices ASG durante a pandemia

A provedora independente de análises de investimentos americana Morningstar reportou que 51 dos 57 índices de sustentabilidade superaram seus equivalentes de mercado para o primeiro trimestre de 2020. A Morgan Stanley Capital International, que também publica índices das principais ações do planeta, para o mesmo período de 2020, reportou 15 entre 17 índices de sustentabilidade com performance superior ao de seus equivalentes também. Fundos de Gestão ASG também performaram, em sua maioria, melhor do que seus pares no mercado de capitais. Na mesma linha, uma pesquisa recente da BlackRock apontou para retrospectos de boas relações com clientes, satisfação dos colaboradores, eficácia de conselhos e robustez da cultura corporativa como fatores determinantes da resiliência financeira de negócios conscientes (ou sustentáveis). Assim como foi em 2008, quando os negócios conscientes estudados por Raj Sisodia – co-fundador do Capitalismo Consciente – despontaram em performance financeira se comparados com o S&P 500, a crise está se provando outra vez uma ótima validadora do êxito de longo prazo e resiliência de negócios alinhados com parâmetros ASG.

2. Crescimento e início da popularização do investimento ASG no mercado de capitais

Segundo a mesma pesquisa da BlackRock, no primeiro trimestre de 2020, os fundos abertos globais sustentáveis (fundos mútuos e ETFs) captaram US$ 40,5 bilhões em novos ativos, um crescimento de 41% em relação ao ano anterior. Os fundos sustentáveis dos EUA receberam o total de US$ 7,3 bilhões no trimestre. Essa já era uma tendência pré-pandêmica validada por um estudo publicado pela KPMG em fevereiro com 135 gestores de grandes fundos em 13 países, que, juntos, totalizavam US$ 6,25 trilhões em ativos, na qual a proporção de investidores institucionais que diziam escolher onde aplicar levando em conta fatores ASG chegava a 45%. A mesma pesquisa trouxe impressionantes 86% de gestores de fundos que afirmaram aceitar menor retorno financeiro para investir em empresas alinhadas com critérios ASG. Nessa direção, a boa notícia de junho no Brasil foi o primeiro fundo ASG da XP de R$ 100 milhões lançado para estimular negócios de impacto socioambiental positivo com estrutura que viabiliza adesão de investidores do varejo a partir de R$ 500. É claramente uma tendência sem volta em ritmo bastante acelerado no mercado de capitais.

3. Expansão do cooperativismo financeiro e da economia solidária

Assim como aconteceu em economias maduras como, por exemplo, as europeias, caminhamos a passos largos no Brasil para a regulação dos preços dos produtos e serviços financeiros através do crescimento do cooperativismo financeiro. Como sempre em tempos de crise, o cooperativismo está mostrando a que veio no Brasil, despontando em crescimento e servindo as comunidades nessa fase tão desafiadora de acesso a crédito e busca por preços mais justos de produtos financeiros. Com 81% dos ativos financeiros totais do segmento bancário comercial, segundo dados do Banco Central de 2019, convivemos com uma assustadora concentração bancária. O Sistema Cooperativista Sicoob, em comparação com o primeiro trimestre de 2019, reportou 64,3 bilhões em operações de crédito ou 22% a mais do que o mesmo período de 2019 e acréscimo 4,74 milhões de cooperados ou 8,5% mais do que no primeiro trimestre de 2019. São 308 cidades do Brasil nas quais os cidadãos só possuem acesso ao Sicoob como instituição financeira. Com os cooperados como donos, com taxas realmente conscientes em geral e muita geração de prosperidade local, as cooperativas são uma evidência e uma grande tendência para economias mais maduras. É uma das opções mais conscientes para redução das desigualdades e distribuição do capital tão concentrado no Brasil.

4. Crescimento do equity crowdfunding e modelos blended finance

Com 1,15% do total de ativos financeiros do planeta ou aproximados US$ 4 trilhões, todas as 169 metas dos 17 ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável) da Agenda 2030 da ONU, aparentemente inalcançáveis, seriam atingidas. O Capitalismo tem sido muito eficaz em produzir riqueza nos últimos 200 anos e, pela forma como investimos, consumimos e fazemos negócios, também tem sido eficaz em concentrar riqueza. Os modelos blended, que combinam investimento de diversas fontes (privadas, sociais e públicas), são uma poderosa ferramenta com forte tendência de expansão para viabilizar a tão necessária aceleração da migração do capital para financiar negócios que atuem diretamente na fronteira dos maiores desafios sociais e ambientais do nosso tempo. Segundo dados da Oxfam de 2020, os pouco mais de 2 mil bilionários do mundo concentram mais riqueza que 60% da população do planeta, ou 4,6 bilhões de pessoas. Novos modelos inclusivos de investimentos – como o equity crowdfunding, ainda pouquíssimo explorado no Brasil e com amarras legais que limitam seu volume – vêm se popularizando muito no mundo. Com avanços regulatórios da CVM no Brasil e a maturação do mercado de investimentos crowd, certamente testemunharemos crescimento exponencial dessa modalidade inclusiva e redutora de desigualdades no investimento, deixando para trás os ainda tímidos R$ 59 milhões totais em investimentos nessa modalidade no país registrados em 2019, segundo a CVM. Seja em estruturas híbridas financeiras que mitigam risco e aumentam acesso a capital, seja em modelos inclusivos para investimento, o mundo já aponta para a distribuição do capital e redução das desigualdades através desses modelos e o Brasil pode e precisa surfar essa importante tendência.

Qualquer recurso capaz de entregar valor é uma forma de capital. Ao que tudo indica, temos um sopro de esperança em tendências e evidências demonstrando que o capital financeiro pode voltar à sua essência (como bem dizia Adam Smith) como gerador de valor multistakeholder e cooperar com uma nova agenda de investimentos mais inclusiva e orientada ao impacto socioambiental positivo.

Assim, espera-se que as pessoas apostem em produtos e serviços de organizações alinhadas com parâmetros ASG e invistam por meio de novos modelos de investimento inclusivos, que sejam orientados a distribuir o capital tão concentrado no Brasil e no mundo.

*Francine Lemos, diretora executiva do Sistema B Brasil

*Dario Neto, diretor geral do Instituto Capitalismo Consciente Brasil

REPRODUÇÃO: Época Negócios

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