Para salvar o clima temos de reimaginar o capitalismo

Rebecca Henderson para TED

[Transcrição em português]

Sou uma defensora das árvores. Passei grande parte da minha infância embaixo da copa de uma enorme faia-de-cobre, alternadamente, lendo e olhando para o céu através dos seus galhos. Eu me sentia segura, cuidada e conectada a algo infinitamente maior do que eu. Eu achava que as árvores eram imortais, que sempre estariam aqui.

Mas eu estava errada. As árvores estão morrendo. A mudança climática está matando os cedros-do-líbano e as florestas do Oeste Americano. Mas não só as árvores. Desde 1998, o calor extremo matou mais de 160 mil pessoas e a mudança climática desenfreada pode matar milhões de outras pessoas. Como chegamos aqui?

Há muitas razões, é claro, mas uma das mais importantes é que deixamos o capitalismo se transformar em algo monstruoso. Sou uma grande fã do capitalismo no que ele tem de melhor. Afinal, sou economista e docente de uma escola de negócios. Eu realmente acredito que os mercados livres e justos são uma das grandes invenções da raça humana. Mas aqui está o problema: os mercados só funcionam quando os preços refletem os custos reais. E, agora mesmo, os preços estão totalmente fora de controle. Estamos permitindo que empresas que vendem combustíveis fósseis e qualquer um que emita gases de efeito estufa causem danos enormes pelos quais eles não têm que pagar. E isso, certamente, não é justo.

Imagine por um instante que minhas mãos estão cheias de uma nuvem de elétrons, US$ 10 em eletricidade a carvão, que poderiam energizar seu telefone celular por mais de 10 anos. Isso provavelmente parece um bom negócio. Mas só é tão barato porque você não está pagando pelos danos que isso causa. A queima de carvão lança venenos como mercúrio e chumbo no ar, aumentando os custos de saúde em bilhões de dólares e causando a morte de centenas de milhares de pessoas todos os anos. Também emite grandes quantidades de dióxido de carbono. Então, outra parte do custo real do carvão são os danos climáticos que vai causar e que já está causando.

Mais de um milhão de acres queimados na Califórnia neste verão, e enormes inundações colocaram um terço de Bangladesh debaixo d’água. Centenas de estudos tentaram colocar um número nesses custos. Minha percepção desse trabalho, e aqui estou contando com meus colegas da Faculdade de Saúde Pública e meus amigos da economia, é que a geração de US$ 10 de eletricidade gerada por carvão causa pelo menos US$ 8 em danos à saúde humana e pelo menos outros US$ 8 em danos climáticos e provavelmente muito mais. Então, o verdadeiro custo deste punhado de elétrons não é US$ 10. É algo mais parecido com US$ 26.

Os custos ocultos de fazer coisas como queimar petróleo e gás e comer carne são igualmente enormes e injustos. Todo mundo que está tentando construir uma economia limpa tem que competir com empresas que são fortemente subsidiadas pela destruição da nossa saúde e pela degradação do nosso clima. Esse não é o capitalismo com o qual eu concordo. Esse não é um mercado livre ou justo. Então… O que nós fazemos?

A resposta “fácil” é que os governos deveriam insistir para que quem emite gases de efeito estufa pagasse pelos danos que causa. Mas, no momento, não há muitos sinais de que os governos estão dispostos a isso, em parte porque empresas de combustíveis fósseis passaram os últimos 20 anos usando seus lucros altamente subsidiados para negar a realidade das mudanças climáticas e para encher de dinheiro os políticos que deveriam regulá-las.

Então, aqui está minha ideia maluca. Acho que os negócios deveriam agir. Acho que os negócios deveriam consertar o capitalismo. Eu sei. Alguns de vocês provavelmente estão pensando: “É pouco provável”. Não acabei de dizer que as empresas são as que negam a ciência, distorcem o mercado e fazem lobby junto aos políticos? Eu falei. Mas consertar isso é diretamente de interesse do setor privado. A verdade é que os negócios estão em apuros se não pararmos as mudanças climáticas. Vai ser difícil ganhar dinheiro quando as grandes cidades costeiras estiverem debaixo d’água e milhões de pessoas furiosas estiverem migrando para o norte quando as colheitas fracassarem. Será difícil manter viva a livre iniciativa se a maioria das pessoas acreditar que os ricos e os brancos a estão usando para destruir o planeta em seu próprio benefício.

Então, deixe-me contar como as coisas realmente são. Meu amigo Erik Osmundsen deixou um emprego confortável em participações privadas para se tornar o CEO de uma empresa de lixo. Isso parece uma ideia um pouco estranha, mas Erik queria fazer a diferença, e mudando a forma como o lixo é tratado poderia reduzir as emissões em bilhões de toneladas. Imediatamente, ele se deparou com um grande problema: o setor era completamente corrupto. As empresas estavam cortando custos descartando resíduos ilegalmente, os regulamentos eram mal executados, e as multas por violação eram minúsculas.

Erik anunciou que ele ia ser idôneo e aumentar os preços para cobrir os custos por fazer isso. Muitos da sua equipe sênior acharam que ele estava louco. Metade deles renunciou. Muitos de seus clientes também. Seus concorrentes o denunciaram por desacreditar o setor e ele começou a receber ameaças pessoais. Mas a corrupção funciona melhor quando está oculta.

Assim que Erik foi a público, as pessoas começaram a se manifestar. Alguns clientes estavam dispostos a pagar mais. Seus investidores concordaram que seguir o caminho certo poderia valer a pena. Os funcionários que ficaram adoraram a ideia de se posicionar e encontraram todo tipo de formas legais de cortar custos. Erik convenceu vários de seus concorrentes a se juntarem a ele na recusa em descartar lixo ilegalmente e ficou muito mais difícil para os reguladores ficarem alheios. Hoje, a empresa de Erik, Norsk Gjenvinning, é uma das maiores empresas de reciclagem da Escandinávia.

Deixe-me generalizar. Estes são os quatro pilares da mudança: construa um negócio que possa estabelecer preços corretos e ainda assim ser lucrativo; convença seus concorrentes a fazerem a mesma coisa; garanta que os investidores entendam que há dinheiro a ganhar; e pressione os governos a regulamentarem o preço de modo que os oportunistas não possam sobreviver. Não estou lhe dizendo que achamos a solução perfeita. As coisas estão muito desesperadoras. Mas existem milhares de empresários como o Erik, e existem milhões de pessoas como nós, e somos clientes, funcionários, investidores e cidadãos.

Em vez de desistir do capitalismo, vamos corrigi-lo garantindo que os mercados sejam verdadeiramente justos e livres e que ninguém possa jogar lixo em cima de nós e ir embora sem pagar por isso. Temos os recursos e a tecnologia para solucionar as mudanças climáticas. Juntos, podemos salvar as árvores e uns aos outros.

Obrigada. —

Rebecca Henderson é professora da Harvard Business School. Antes disso, ela foi professora do MIT, onde aprendeu que tudo é possível.

Sua pesquisa enfoca o papel que o setor privado pode desempenhar na construção de uma economia mais sustentável, particularmente como as empresas com propósitos podem ajudar a reequilibrar o capitalismo.

Por vários anos, ela ministrou um curso sobre capitalismo que serviu de base para seu livro, Reimagining Capitalism in a World on Fire, que foi recentemente selecionado para o Financial Times / McKinsey Business Book of the Year.

Apesar da terrível situação do clima, ela insiste em permanecer esperançosa, citando Howard Zinn: “Ter esperança em tempos difíceis não é apenas tolamente romântico. Baseia-se no fato de que a história humana é uma história não apenas de crueldade, mas também de compaixão, sacrifício, coragem, bondade.”

Henderson acredita que podemos e iremos resolver as mudanças climáticas.

Reprodução

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