Semana de 4 dias: o futuro do trabalho é mais humano, flexível e sustentável

Desde a revolução industrial, há cerca de 100 anos, trabalhamos cinco dias da semana. O mundo mudou completamente nestes últimos séculos, mas seguimos exatamente da mesma forma. Será que não deveríamos debater e desenhar mudanças sobre o mundo do trabalho? E se a rotina semanal fosse dividida em quatro dias de trabalho e três dias de final de semana? Em 20 empresas no Brasil e em mais de 700 empresas em 19 países, esse cenário já é realidade.

No último século, a tecnologia transformou nossas vidas. Saímos do mundo analógico para o digital, mudamos uma parte dos trabalhadores de um mundo braçal para o intelectual e a inteligência artificial veio para ficar. Em 1930, o economista John Keynes já previa essas evoluções e dizia que a consequência disso seria que nos anos 2000 teríamos, provavelmente, uma semana com 15 horas de trabalho. Recentemente, Bill Gates também falou que poderíamos trabalhar somente três dias por semana.

Porém, ao olharmos ao nosso redor, o cenário é o oposto dessas previsões. Nunca trabalhamos tanto. Nossos índices de saúde mental são catastróficos e o aumento da tecnologia não reduziu nossa sobrecarga, ao contrário, nos deixou 24 horas conectados. Trabalhamos muito, mas nem sempre bem. Há excesso de informação, de comunicação, muitas reuniões, distrações o dia todo e parece que não há saída para a construção de algo diferente e mais saudável.

Estamos  cansados e sobrecarregados e não queremos mais somente viver para trabalhar. Não está bom para os profissionais, tampouco para as empresas ou para nossa sociedade. É preciso redefinir nossa relação com o trabalho. Está na hora de tê-lo de forma harmônica e equilibrada com outros aspectos da nossa vida. É preciso priorizar a sustentabilidade humana dentro das organizações.

Primeiro, porque é o óbvio. Deveríamos entender que o mundo tem sido desafiador e a empresa não pode ser mais um ofensor na saúde mental de seus profissionais. Segundo, porque não há sustentabilidade dos negócios em ambientes tóxicos, de medo, de comando e controle, de exaustão. Como vemos os dados atuais, ambientes assim têm levado pessoas ao esgotamento, ao baixo engajamento e baixa produtividade. 

Precisamos aprender a trabalhar melhor, de forma mais eficiente, eficaz, produtiva, saudável e flexível. Porém, antes de tudo, entender que a cultura de bem-estar não é antagonista a uma cultura de resultados. Na verdade, talvez seja a única forma de continuarmos inovando e criando de forma sustentável.

Um estudo feito em 2017, no Reino Unido, mostrou que, em média, somos realmente produtivos apenas 2 horas e 23 minutos por dia.

E, diante desses dados, em 2018, um empresário da Nova Zelândia, Andrew Barnes, fez uma reflexão: “será que essa forma de atuar ‘always on’ está nos prejudicando em vez de aumentar a produtividade? Será que daria para trabalhar menos mas melhor, mais focados?”

Com essa hipótese, Barnes inicia um piloto na sua empresa com a metodologia 100/80/100: manter 100% dos resultados, trabalhando 80% do tempo e mantendo 100% dos salários. O piloto teve resultados positivos em todos os aspectos: aumento na saúde mental e bem-estar dos colaboradores e também em ganhos em aumento de receita, engajamento e produtividade. Foi bom para os participantes e também para a empresa. Assim, o piloto ganhou um olhar global e, em 2019, Barnes fundou a 4 Day Week Global, uma organização sem fins lucrativos que tem a missão de expandir a semana de quatro dias de trabalho. 

Olhando o que estava acontecendo ao redor do mundo, fiquei intrigada se não poderíamos pensar em uma mudança tão significativa aqui no Brasil também. A verdade é que sempre tive vontade de fazer algo relevante para melhorar o mundo. Nos últimos anos, fiz uma transição de carreira, saindo do marketing para atuar com o propósito da construção de culturas de bem-estar aliadas aos negócios. É possível ser melhor para as pessoas e também para as empresas. Dedico minha vida para isso.

Guiada por esse propósito, em 2023, em parceria com a 4 Day Week Global, lançamos o piloto no Brasil. 

O primeiro obstáculo que encontramos foi desmistificar o tema e mostrar que é um projeto de produtividade e não somente focado em bem-estar. Temos, no Brasil, uma cultura que valoriza e premia o workaholic e ainda acredita que temos que trabalhar muito, sofrer, vivermos sobrecarregados para crescermos na carreira. Quantas vezes ouvi: ‘vamos promover fulano, pois ele trabalha muito, está aqui todo dia às 22h.’ Se encontramos uma pessoa na Suécia trabalhando às 22h, é provável que seja considerada ineficiente e não produtiva e esforçada. Aqui, premiamos e romantizamos essa sobrecarga.

O segundo desafio foi encontrarmos empresas dispostas de verdade a fazerem mudanças em seu dia a dia para testar a semana de quatro dias. 20 empresas, de diversos segmentos, inscreveram-se e em setembro começaram a estudar através de masterclasses com especialistas da 4 Day Week Global e comigo.

O terceiro obstáculo foi que as empresas se dedicassem, de fato, para mudar a forma como atuam, redesenhando o trabalho para reduzirem as horas improdutivas e conseguirem atuar em uma semana de quatro dias.

O foco das aulas e do planejamento foram:

  1. Redesenhar as reuniões: Nos trabalhos intelectuais, para muitos colaboradores, a maior parte do tempo durante o dia de trabalho é em de reuniões, sendo que 71% delas, segundo a HBR, são consideradas improdutivas e ineficientes. A Microsoft do Japão, o país com maior índice de burnout do mundo, fez pequenas e simples regras de reunião para reduzir a sobrecarga de trabalho e aumentar a produtividade: 
  1. Propósito claro e agenda definida e enviada previamente pode diminuir o tempo da reunião em até 80%.
  2. Duração de 30 min.
  3. Somente os tomadores de decisão.
  4. Alguém organizando e conduzindo a reunião.

2. Momento de hiperfoco na agenda: Durante essas sessões, a profundidade e a intensidade da concentração aumentam, levando a uma produção de trabalho de alta qualidade. 

  1. Identifique tarefas importantes que exigem alta concentração e têm um impacto significativo nos seus objetivos.
  2. Elimine distrações: desative notificações, feche portas e comunique aos colegas que você estará indisponível.
  3. Defina blocos de tempo: reserve períodos específicos do seu dia para Deep Work. Esses blocos devem ser de até 60-90 minutos.
  4. Estabeleça metas claras: antes de começar, saiba exatamente o que você pretende alcançar durante o período de Deep Work. 

3. Pausas e Descanso: Pausas regulares e descanso adequado ajudam a recarregar a mente, reduzir o estresse e aumentar a criatividade e a produtividade. O fundador da Patagônia, loja de roupas esportivas, Yvon Chouinard, fala para seu time quando estão tentando resolver um problema: “saiam para surfar”. Ele entende que essa pausa, o descanso, um momento de bem-estar e prazer aumentam nossa cognição, atenção plena, produtividade e engajamento. Planejem desde micropausas ao longo do dia, como momentos entre as atividades, até as macropausas, como as férias. Precisamos trocar a culpa pela compreensão de que as pausas e descanso são essenciais para nossa saúde mental e bem-estar, mas também para melhorar nosso desempenho no trabalho.

4. Priorização: em um mundo em que tudo é prioridade, nada é prioridade. Precisamos entender melhor o que é urgente e importante e o que não deveria ser priorizado. Não dá para fazer tudo, é preciso escolher o que realmente importa.

5. Melhora na comunicação: precisamos criar códigos e símbolos para o grau de importância e urgência e revermos os meios de comunicação. Navegar pelo whatsapp entre memes e documentos relevantes nos traz somente mais ansiedade.

6. Por fim, é preciso usarmos a inteligência artificial para reduzirmos atividades repetitivas, melhorarmos nosso dia a dia, reduzindo burocracias e atividades operacionais e focarmos no estratégico e criativo.

Com essas ferramentas, as empresas passaram para uma fase de planejamento, definindo regras, limites, métricas e formas de atuarem em uma semana de quatro dias. Todos farão no mesmo dia? Haverá alguma escala? Será na sexta? E quando tiver feriado na semana? E o momento do cafezinho juntos, deixaremos de ter?

Após todas essas definições, as empresas começaram, em janeiro de 2024, a semana de quatro dias. Passaram por ajustes, conversas, dúvidas, mudanças e principalmente adaptação. Não mudamos tudo o que conhecemos do dia para a noite, é preciso tempo, construção, intenção e disciplina.

Após seis meses de piloto, fizemos a pesquisa final junto à FGV-EAESP. E os resultados foram excelentes:

Impacto no trabalho

56% observaram melhoria na execução de projetos.

Impacto no bem-estar

87% tiveram mais energia para realizar suas tarefas.

Impacto na saúde

72% reduziram a exaustão frequente por causa do trabalho.

Impacto no social

71% de aumento da energia para família e amigos.

E agora, então? O caminho será mais fácil? Estamos preparados para expandir a semana de quatro dias? Certamente não. Ainda há mitos, crenças, medos, privilégios, que nos fazem caminhar de forma lenta. Mas não significa que estamos paradas. Não estamos. A semana de quatro dias é apenas uma possibilidade de um futuro do trabalho mais humano, empático e sustentável. Não é a única maneira, mas ela traz algo certo: é preciso mudanças e é preciso um novo olhar para o trabalho.

O mito de que serei feliz quando me aposentar não existe mais. (nem sei se nos aposentaremos). Queremos ser felizes aqui, agora. Felicidade é jornada, é a caminhada e não a chegada. E a semana de quatro dias não é porque não gostamos ou não queremos trabalhar. Realização e significado são importantes para sermos felizes e o trabalho pode nos proporcionar esses aspectos. Mas queremos trabalhar de outra forma, mais flexível, humana e com mais equilíbrio. Não é porque sempre foi assim que devemos continuar da mesma forma.

É difícil mudar e construirmos novos caminhos, mas é possível. E os resultados têm demonstrado que vale a pena.


Autora

Renata Rivetti, Chief Happiness Officer na Reconnect | Happiness at Work

Veja também: