Por Francine Lemos* e Dario Neto* em Época Negócios
Crescendo pela dor
Os sinais da nova economia têm sido muitos e cada vez mais frequentes. A nova declaração de propósito das empresas americanas, assinada no ano passado por mais de 180 CEOs do Business Round Table; a virada editorial do Financial Times voltada para um novo capitalismo; as frequentes cartas de Larry Fink do BlackRock ― a maior gestora de ativos financeiros do planeta ― falando sobre propósito; o olhar multistakeholder e critérios ambientais, sociais e de governança (ASG) influenciando profundamente a grande agenda global de investimentos; a nova versão do manifesto do Fórum Econômico Mundial este ano em Davos direcionado para um capitalismo de stakeholders; e tantos outros.
A pandemia da covid-19 não trouxe algo novo neste sentido. Ela é uma grande aceleradora e multiplicadora destes sinais. A nova economia chegou e veio para ficar. É uma tendência acelerada, infelizmente, pela dor. Não temos mais tempo e ampliamos a consciência global sobre isso da pior maneira.
Mudanças estruturais, não apenas circunstanciais
Nos últimos anos, temos observado uma grande mudança no perfil do consumidor, com a ampliação de uma geração inquieta, que questiona as práticas das empresas e olha com mais cuidado os processos e valores por trás de cada marca. De acordo com o estudo do Euromonitor, as principais tendências do consumidor moderno envolvem mudanças estruturais em grande escala, maior consciência sobre o que necessitamos em detrimento do que queremos e disposição para mudar hábitos em busca de um bem maior.
Por muito tempo acreditamos que a pressão do consumidor faria a mudança acontecer na direção de uma economia mais inclusiva e sustentável e prevemos que a crise pela qual estamos passando vai acelerar esse processo já em curso, mantendo a porta aberta para um nível de consciência mais elevado sobre o consumo. A pressão dos consumidores é importante, mas a atuação proativa de empresas conscientes sobre seu papel é igualmente necessário e cada vez mais urgente. Como bem disse Larry Fink nas últimas semanas, a compaixão precisa acompanhar o pragmatismo, mas essa compaixão ― traduzida nos mais de 5 bilhões de reais de filantropia nos tempos de pandemia ― precisa ganhar contornos estruturais daqui em diante, e não apenas circunstanciais dado o momento em que vivemos.
Mercado de capitais – o protagonista da nova economia
Já está claro que o modelo atual de desenvolvimento econômico, pautado exclusivamente no curto prazo e na geração de valor para o acionista, culminou em uma crescente desigualdade social e na aceleração das mudanças climáticas que nos distanciam do Acordo de Paris, assinado em 2016. Sabemos também que o capital é um dos fatores que têm guiado as grandes transformações da sociedade. Investidores são os maiores interessados em criar as bases de um sistema mais estável e sempre foram os financiadores do mundo emergente. Desde o século XV, quando os cofres europeus financiaram o desbravamento do Novo Mundo ou no século XVIII, em que grandes banqueiros apoiaram a transição para uma sociedade industrial.
Se acreditamos em uma revolução do capitalismo em novas bases, assumindo de fato o Capitalismo de Stakeholders ― cujo objetivo principal é assegurar os interesses de todas as partes envolvidas ―, é preciso olhar com atenção para esse setor. Precisamos criar um modelo mais resiliente, preparado para a digitalização global e, sobretudo, mais sustentável. Para isso, o mercado de capitais deve ser um dos atores protagonistas da nova economia.
Grandes grupos de investimento, como JP Morgan Chase, que financia atividades relacionadas a combustíveis fósseis ― os grandes responsáveis pelas mudanças climáticas ― felizmente já se veem pressionados por seus acionistas a dar uma resposta diferente. Em sua última reunião anual, 49,6% de seus acionistas votaram a favor de uma resolução que pressiona o banco a reportar se e como vai alinhar seus empréstimos ao Acordo de Paris, com o objetivo de manter o aquecimento global abaixo de 2ºC. Apesar da resolução não ter conquistado a maioria necessária para aprovar, o resultado evidencia a crescente pressão sobre o grupo bancário ― que investiu mais de um quarto de trilhão de dólares em combustíveis fósseis desde que o Acordo de Paris foi adotado ― para fortalecer suas políticas climáticas.
Na mesma direção, vemos a “retomada verde” ganhar força na Europa. A União Europeia (UE) está prestes a anunciar o maior pacote de recuperação econômica para privilegiar o alcance dos objetivos do milênio, um alento de esperança em meio a maior crise que nossa geração já presenciou. O pacote pode incluir 60 a 80 bilhões de euros para impulsionar a venda de veículos elétricos, 10 bilhões de euros para alavancar novos projetos de energia renovável e até 30 bilhões de euros do atual Fundo de Inovação da UE para o desenvolvimento de hidrogênio verde, que pode reduzir as emissões em algumas das indústrias mais poluentes, como a siderurgia e o cimento, entre outras ações. Todas elas preveem o envolvimento do setor privado no financiamento dos projetos ou se baseia em iniciativas existentes para acelerar a transição sustentável.
Buscando um ótimo coletivo
Dentre os muitos sinais da nova economia que emerge, aqui no Brasil, a plataforma de investimento peer-to-peer CoVida20 nasceu para ofertar crédito a pequenos negócios de impacto positivo, apostando no que chamamos de sementes da nova economia. Por meio do apoio de doadores filantrópicos e grandes investidores, além de pessoas físicas, o programa estimula uma nova cultura de investimento em rede para que empresas alinhadas com um novo capitalismo mais consciente possam, não apenas sobreviver, mas seguir prosperando e gerando prosperidade econômica, social e ambiental de todos os stakeholders.
Seja pela pressão por parte de acionistas, dos consumidores ou por este novo contexto global emergente, precisamos apostar em um novo jeito de investir capaz de acelerar as transformações que queremos ver no mundo. Como a pandemia está nos ensinando, a nova equação de sucesso nos investimentos precisa considerar risco, retorno, liquidez e adicionar sempre o impacto que se gera. Que o curto prazismo e o foco exclusivo no acionista deem lugar a investimentos que considerem o ótimo coletivo e não apenas o individual.
*Francine Lemos, diretora executiva do Sistema B Brasil
*Dario Neto, diretor geral do Instituto Capitalismo Consciente Brasil
Texto adaptado de Época Negócios